quarta-feira, dezembro 30, 2009

Ano novo, a mesma vida


Nesta época do ano a maioria das pessoas dá uma paradinha para repensar a vida, seus objetivos e anseios, o realizado e o a realizar. Eu, particularmente, nunca gostei muito de dar um significado tão importante à virada do ano. Para mim, o dia primeiro de janeiro é apenas um dia após o dia trinta e um de dezembro. Mas respeito aqueles que usam dessa data bastante simbólica para buscar algum tipo de mudança benéfica para suas vidas. Admiro muito um pensamento do poeta Carlos Drummond de Andrade:

"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustăo. Doze meses dăo para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovaçăo e tudo começa outra vez,com outro número e outra vontade de acreditar, que daqui para diante vai ser diferente."

É necessário, entretanto, que busquemos certa objetividade em nossas carreiras, em detrimento da ideia de que basta pensar positivo para as coisas acontecem. Fazer pedidos de sucesso para 2010 é louvável e não custa nada, mas não é o suficiente. Se você está feliz no seu trabalho, ótimo, parabéns, sorte a sua. Peça para que continue assim no próximo ano, no outro e no outro. Mas se você está infeliz, desanimado e desmotivado, comece a se mexer.

Aquele colega de trabalho chato e ignorante, que te encheu o saco o ano inteiro te mandou belas mensagens de Natal e Ano Novo ? A hipocrisia rola solta nesta época. É natural que o ambiente de trabalho melhore um pouco, todo mundo trabalhando mais relaxado, pensando no peru do Natal e na champagne do Reveillon. O que não podemos nos esquecer é que em poucos dias tudo vai voltar ao normal. Assim, se você não está feliz, com certeza assim continuará até que você arrume outro lugar mais interessante para trabalhar ou então que a empresa encontre alguém mais interessante que você para o seu lugar (provavelmente ganhando menos). Seu chefe continuará lhe pedindo coisas inúteis e chatas, seus subordinados continuarão não rendendo o que você gostaria que rendessem e seus pedidos de aumento continuarão sendo negados.

Por estes e outros motivos, não comece o novo ano achando que as coisas vão se ajeitar, que de uma hora para a outra sua empresa vai mudar o jeito de pensar, que finalmente reconhecerão e darão o devido valor ao seu talento. Se você não fizer alguma coisa, desculpe a sinceridade: aposto minhas lentilhas que vai ficar é muito pior.

terça-feira, novembro 10, 2009

[Livro] O Líder Criador de Líderes


Já li outras obras de Ram Charan, por este motivo tinha a convicção de que seu foco é sempre em empresas de grande porte. Mas, pelo título do livro O Líder Criador de Líderes (Ram Charan, Campus; 272 páginas; R$ 52,00), minha ideia inicial é que seu conteúdo poderia me agregar muito como gerente de um departamento de uma empresa de médio porte.

Eu estava certo e errado ao mesmo tempo. Se por um lado não há como não absorver belos ensinamentos de um livro como esse, por outro a realidade descrita e desenvolvida ao longo do texto mostram-se quase sempre distante e irreal. Os exemplos, situações, dicas e ensinamentos são excessivamente relacionados com megaempresas, principalmente aquelas que possuem Conselho de Administração. Pode soar como pensamento pequeno, mas pouquíssimas pessoas trabalham em empresas assim, ainda mais no Brasil.

Isso sem dúvida diminui muito o público alvo do livro, infelizmente. Nada contra essa forma de abordagem, mas se o autor conseguisse trazer os mesmos ensinamentos a uma realidade de menor gigantismo o aproveitamento seria maior.

quarta-feira, outubro 28, 2009

[Livro] A Sombra Que Me Seguia


Conheci este livro através de um email que recebi da agente da autora Adriane Salomão. Nele, era explicado que Adriane havia lançado sua primeiro obra literária, de contos, fazia uma breve sinopse e indicava alguns links para o blog da autora e também para o site da editora (Editora 7 Letras).

Achei a mensagem bastante simpática e como gosto muito de contos resolvi adquirir o livro através do próprio site da editora. Por tratar-se de uma editora relativamente desconhecida e de ser a primeira obra da autora imagino que não seja fácil encontra-la em livrarias mais tradicionais (espero estar enganado).

São 47 contos distribuídos em 142 páginas. A grande parte deles não passa de duas páginas: são contos curtos, diretos, rápidos. A temática é bastante abrangente, tratando principalmente do cotidiano de pessoas normais. Agradou-me muito o estilo de Adriane Salomão, os contos são fáceis de serem lidos e absorvidos, sem exageros de vocabulário, como é até comum nesse tipo de literatura. A leitura é agradabilíssima, muito leve, gostosa e prazerosa. É um excelente livro de cabeceira, para ser "degustado" aos poucos, dia após dia, antes de uma boa noite de sono.

segunda-feira, outubro 26, 2009

Uma imagem vale mais do que mil ... vidas

Há alguns dias mais uma onda de violência assolou o Rio de Janeiro. Morreram bandidos, policiais e inocentes. Cenas de barbárie, cujo ápice foi representado pela derrubada de um helicóptero da PM, atingido por munição de grosso calibre em poder dos criminosos. Essas notícias correram o mundo. Muitos começaram a questionar a capacidade do Brasil e, em especial, do Rio de Janeiro de garantir a segurança de atletas e turistas durante as Olimpíadas de 2016. Isso sem nos esquecer que alguns dos principais jogos e a final da Copa do Mundo de Futebol de 2014 também serão na Cidade Maravilhosa.

Até aí nenhuma novidade: uma cidade violenta, criminosos vencendo a guerra com a polícia e o Brasil não sendo levado à sério no exterior. Em meio à tudo isso me chamou a atenção uma declaração do nosso presidente Lula, no alto do seu Olimpo, para não fugir muito do tema. Ele, no uso de sua nobélica sabedoria disse que os criminosos não sabem o mal que fazem à imagem do Brasil. É isso aí: policiais mortos, inocentes mortos, parte da cidade quase em estado de sítio e nosso querido presidente preocupado com a imagem do Brasil no exterior. Finalmente o PT descobriu algo que dá mais "Ibope" que o Bolsa Família

terça-feira, setembro 29, 2009

[Conto] O profissional, o marido, o pai

Roberto era um homem de sucesso. Inteligente, criativo, dedicado, daqueles que literalmente vestia a camisa da empresa. Foi admitido em um programa de trainees, há 8 anos. Desde então vinha se destacando de forma diferenciada, alcançando o cargo de diretor de marketing em pouquíssimo tempo. Boa praça, de estilo pujante e hiperativo, dava-se bem com todos na empresa. Era querido pelos diretores e idolatrado pelos subalternos. Totalmente sociável, falava muito bem em público, o que lhe garantia visibilidade e prestígio por onde quer que passasse, desde o balcão do cafezinho até importantes apresentações para mais de 300 pessoas. Não havia dúvidas de que estava sendo preparado para ser o novo presidente. Casado há 5 anos e pai de um lindo menino de 3, Roberto não conseguia repetir em casa o sucesso obtido na empresa.

Logo que se casaram as reclamações tiveram início. "Você mal fica em casa, todo dia chega tarde e sai cedo!", "Não me dá atenção, só pensa na empresa!", "Acha seus clientes mais importantes do que eu!". Roberto sempre achou que ela estava errada, afinal de contas oferecia conforto, luxo, tudo o que uma mulher poderia querer e imaginar. Moravam em uma casa fantástica, dirigiam carros de luxos, viajavam sempre. O que mais uma mulher poderia querer de um marido? Ele precisava se dedicar à empresa, ao trabalho, pois era tudo isso que lhes proporcionavam essa vida. Se não se dedicasse, nada daquilo seria possível. Além disso, quando se conheceram, sua vida já tinha esse ritmo, ela já sabia que seria assim. Após a chegada do bebê a situação ficou ainda pior. Mesmo com o batalhão de enfermeiras e babás contratadas, ela sentia cada vez mais a falta de um apoio emocional, de ter com quem conversar. Roberto praticamente só via o seu filho aos finais de semana. Chegava quando ele já estava dormindo, saía antes de ter acordado. Na sua cabeça estava apenas trabalhando para garantir o melhor futuro para sua família. Começaram a discutir com mais frequência, ela dizendo que não aguentava mais aquela sensação de abandono. Ele retrucava que ela era mimada e que tinha de agradecer à Deus por ter um marido trabalhador e que não deixava faltar nada em casa. No dia em que foi promovido, comemorou com os colegas até tarde. No dia da apresentação do teatrinho do seu filho na escola, ele estava há quilômetros de distância.

Os negócios começaram a piorar. A recente crise econômica estava afetando de forma grave o mercado em que a empresa atuava. O alto endividamento, fruto da política agressiva de aquisição de concorrentes, deixara a situação incontornável. Reuniões eram seguidas de outras reuniões, cada vez mais longas, mais tensas. Buscavam uma solução que não existia. Roberto cada vez mais ausente de casa. Em poucos meses surgiu uma proposta de compra de uma multinacional chinesa. Não havia outra saída. Proposta aceita, tentaram tranquilizar a todos de não haveria muitas mudanças nos cargos do alto escalão. Roberto, confiante como sempre, tinha certeza que poderia contribuir para essa nova fase da empresa. Sua competência era reconhecida por todos. Toda aquela situação dramática não estava nem um pouco relacionada com sua atuação direta, que como sempre, havia sido impecável. Os chineses assumiram. Tinham uma política agressiva de imposição de sua cultura empresarial. A tensão e a pressão nunca tinham atingido aquele nível. Roberto, mesmo sob protesto de sua mulher, aceitou uma transferência para outro estado. Preferiu passar os primeiros meses morando sozinho, assim teria mais tempo para se dedicar e se adaptar à nova situação. Visitava sua casa apenas nos finais de semana. Viajou à Pequim várias vezes, ficando até 15, 20 dias no exterior. Seu setor foi desmembrado, perdeu poder. Propuseram-lhe uma redução do bônus. Foi obrigado a aceitar. Mais alguns meses e Roberto foi demitido. Aquela decisão foi um choque brutal em sua vida. Nunca havia experimentado aquela sensação de abandono, de fracasso, de falta de importância. Sentiu-se totalmente desamparado. Na negociação de seu desligamento, recebeu um bom dinheiro e exigiram que ele se mantivesse fora do mercado por seis meses. Só conhecia ver uma coisa boa naquilo tudo: poderia finalmente passar mais tempo em casa, conversar com sua mulher, brincar com seu filho. Eles, com certeza, iriam ficar felizes.

Preferiu não ligar para casa contando a novidade. Queria ganhar tempo, tentar não passar à sua mulher aquela sensação de fragilidade que estava sentindo. Fez os acertos necessários com a empresa, pegou o voo e retornou para casa. Já no aeroporto sentia-se melhor, de certa forma havia tirado um peso das costas. Sua mulher não iria reclamar mais, seu filho finalmente teria um pai. Chegando em casa, ávido por abraçá-los, encontrou apenas um bilhete em cima da mesa:

"Aguardei vários dias por uma ligação sua. Tentei entrar em contato, mas sempre caía em sua caixa postal. Você não retornou, deveria estar muito ocupado. Conversei muito com meus pais ultimamente e resolveram me apoiar em uma decisão muito difícil, mas necessária. Concluí que nossa história e nosso amor chegaram ao fim. Não lhe culpo por tudo, mas me sentia infeliz e carente há muito tempo. Quando chegar me ligue para que possamos dar início às formalidades."

Ele nunca havia se sentido tão abandonado, fracassado e desamparado.

segunda-feira, setembro 28, 2009

Rodolfo será demitido?

Recebi um comentário bem interessante sobre o conto A empresa onde ninguém tirava férias. A leitora Fernanda Dearo escreveu o seguinte:

(...) o conto do Rodolfo é muito bom! MAS fico pensando... Nesse tipo de empresa, se o chefe perceber que ele ensinou tudo e tudo funciona sem ele, quando voltar de férias, tá na rua! (...)

A questão levantada é totalmente pertinente. Realmente, dependendo do estilo e da cultura da empresa, Rodolfo corre riscos de ser demitido quando retornar das férias. Mas eu espero estar certo quando penso que empresas desse tipo são exceções. A situação descrita no conto tenta mostrar que ninguém era contra tirar férias. O que estava acontecendo é que a diretoria tinha receio de que a liberação de algum funcionário importante fosse muito danosa para a continuidade das operações.

O fato de um funcionário poder passar dias fora da empresa sem medo de que as coisas parem de funcionar não significa, de forma alguma, que ele seja dispensável. O trabalho de organização e delegação de tarefas com certeza não foram as únicas melhorias que ele deve ter trazido ao departamento e à empresa. Essa forma dele atuar é apenas um indício de profissional competente e organizado. A empresa até poderia seguir sem ele, mas estaria abrindo mão de vários outros benefícios e melhorias que seriam obtidos no futuro. Por esse motivo, creio que nenhuma empresa séria vá desligar um funcionário como Rodolfo apenas porque o departamento ficou bem alguns dias sem ele. Por fim, tenho certeza que Rodolfo já ganhou a confiança total de sua equipe. Se for demitido, haverá um clima de insatisfação geral, o que fatalmente acarretará em perda de mais funcionários e queda de produtividade, jogando na lata de lixo tudo de bom que foi feito.

Não subestime o poder das emoções


Trecho retirado da coluna "Agenda do Líder", de Jack e Suzy Welch, publicada na revista Exame, da Editora Abril:

"(...) Desde que começamos a viajar o mundo, em 2002, sempre pedimos às pessoas que respondam, erguendo a mão, à seguinte pergunta: "No ano passado, quantos de vocês foram avaliados de verdade, isto é, quantos aqui ficaram sabendo qual era, de fato, sua situação na empresa?" Geralmente, mesmo nos auditórios mais participativos, o percentual de gente que levanta a mão confirmando a avaliação não passa de 10%. Isso é inaceitável, é revoltante. De repente, você está no comando de um negócio de 1 bilhão de dólares, trabalha com recursos em diferentes lugares do mundo, suas exposições perante a alta administração são feitas em slides sofisticados de PowerPoint. Mas, se você não diz às pessoas onde elas estão acertando e onde estão errando, não pode de maneira alguma acreditar que está no comando do negócio. Na verdade, suas avaliações devem ser tão claras que, se você tiver que dispensar um funcionário, ele nem precisará perguntar por quê. A pessoa vai querer saber apenas quais serão as condições do "acordo" e a logística para uma transição suave. (...)"

 
Eu, como gestor de pessoas, aprendi essa lição há pouco tempo. Demitir uma pessoa é uma das tarefas mais difíceis para mim. Dar um feedback negativo e sincero também nunca foi fácil. Tenho a tendência a evitar conflitos ao máximo. Encarar um subordinado, muitas vezes ele sendo uma pessoa fantástica, e dizer que não está gostando do seu trabalho não é agradável. Mas é extremamente necessário que isso seja feito. Primeiro porque você mostra que não está desistindo dele. Além disso, mostra quais são as deficiências, sugere soluções, oferece ajuda, o que são atitudes muito louváveis. O interesse em que esse funcionário "funcione" também é do gestor, da empresa. E, por último, se após vários feedbacks negativos e sinceros a pessoa não conseguir melhorar, o gestor não sentirá nenhuma amargura ou peso na consciência em desligá-lo. E nem ele poderá reclamar que não foi avisado.

segunda-feira, setembro 21, 2009

Administrar a carestia

Alguns gestores reclamam que lhes falta tudo: pessoal, máquinas, equipamentos, treinamento, software etc. Na verdade, muitas destas queixas são feitas para esconder os verdadeiros motivos que os levam a não bater metas. Tentam ocultar determinadas incompetências pessoais e de suas equipes alegando que não possuem recursos. Esquecem de que foram justamente contratados para administrar com pouco. Se existissem recursos em abundância, qualquer um faria!

Sei que muitas vezes os recursos são pobres. Mas também sei que se queixar apenas é uma atitude amadora e indigna de um profissional. Tudo o que acontece dentro da área de um gestor É PROBLEMA DELE! Ele deve mover céus e terras para resolver os problemas. Obviamente, muitas questões não dependerão dele apenas, mas é justamente nestas situações que se espera a atitude maiúscula de um gestor. Apenas reclamar dos fornecedores, do Banco Central, da ANVISA, do concorrente ou da sua própria equipe é conversa fiada. O gestor foi contratado para gerenciar processos e obter resultados excepcionais com poucos recursos. Repito: se houvesse recursos em abundância à disposição, bastaria um Zé qualquer para ser o gerente. O gestor não foi contratado para voar em “céu de brigadeiro”, ele foi contratado para gerenciar em céus turbulentos e tempestuosos.

Já conversei com muitos executivos que reclamaram: “Mubarack, você pega muito pesado”. Absoluto engano. Quem pega pesado é a vida, a concorrência, o caos que caracteriza o mundo empresarial. Entender que o trabalho de gerenciamento é muito duro e que exige muito sacrifício é básico para o sucesso.

Existe um problema crônico em relação a muitos gestores; não estudam, leem muito pouco e não utilizam ferramentas para resolver problemas. Análise de Pareto, Diagrama de Causa x Efeito, Estratificação de Dados, FMEA etc. passam longe dos hábitos diários desta gente. Com toda esta fragilidade intelectual, realmente fica muito difícil gerenciar sem amplos recursos à disposição.

Na maior parte dos casos, as diretorias, os acionistas e os proprietários são os principais responsáveis por esta lamentável situação. Eles deveriam desenvolver seus gestores nestes métodos e cobrar obstinadamente o seu uso, rejeitando qualquer análise que não seja feita com ferramentas, com dados e com o uso do método científico. Existem muitos gestores que já fizeram três MBAs e são completamente incapazes de fazer uma análise de Pareto ou construir um cronograma. Treinar com pertinácia os gestores, retreinar, fazer provas duras no final de cada curso, quem faz isto? A solução é simples, mas é preciso atitude por parte das direções.

Autor: Paulo Ricardo Mubarack

Enviado pelo amigo Marcelo "Jales", obrigado !

sexta-feira, setembro 18, 2009

[Conto] Entre jacarés e lagartixas

Aquela era mais uma empresa com traços inequívocos de administração familiar. Os donos haviam criado tudo há mais de 50 anos, partindo do zero, apenas com algumas economias conseguidas ao custo de muito suor. Mas tudo havia valido a pena, era uma empresa respeitada pelo mercado e até pelos concorrentes. Prezava a ética e a valorização dos funcionários. Depois da inauguração do prédio novo, há 3 anos, a satisfação de todos aumentou ainda mais. A grande maioria dos funcionários tinha no mínimo 5 anos de casa. Vários deles mais de 10, 15, 20 anos ... Essa experiência e lealdade eram, segundo os três irmãos que formavam o triunvirato administrativo, o segredo do sucesso. Mas os tempos eram outros, o mercado estava mudando. Clientes antigos passaram a comprar nos concorrentes em busca de alguns reais de desconto. A concorrência estava avançando. Multinacionais, de olho no crescente mercado brasileiro, surgiam como novos entrantes. O faturamento começou a cair e a luz amarela foi acesa.

Tinha chegado a hora de tomar decisões há anos adiadas. Os donos da empresa já mostravam claros sinais de cansaço, apesar de apresentarem ainda uma vitalidade espantosa. Não tinham tido instrução formal, mas de bobos não tinham nada. Perceberam que eram necessárias mudanças estruturais. Não havia espaço para vaidades. Entregaram a direção da empresa a um profissional altamente gabaritado, recrutado em uma das maiores e mais modernas empresas da região. Levaram-no a preço de ouro, foram convencidos de que não iriam se arrepender. Apesar da visível mostra de profissionalismo, esse desprendimento obviamente tinha limites. Deram liberdade ao novo presidente, mas o monitoravam de perto, participando de várias decisões. Isso ficou claro em um dos pedidos feitos ao novo gestor:

"Gostaríamos de manter os funcionários antigos. Confiamos muito neles e não temos motivos para demiti-los. Se achar necessário, estamos dispostos a gastar muito dinheiro com treinamentos, cursos de graduação e pós-graduação, MBAs, cursos técnicos ... Queremos fazer a empresa voltar a crescer, mas sempre junto com nossa equipe."

Aquele pedido não tinha nada de esdrúxulo ou sem sentido. O novo presidente concordou, tinha a certeza que, com a disponibilidade de grandes recursos, à médio prazo conseguiria profissionalizar as pessoas que ocupavam cargos de gerência e coordenação. Iniciou-se um processo constante de cursos in company. Palestrantes e professores das mais renomadas instituições de ensino e escola de negócios foram contratados. O clima interno nunca havia sido tão bom, os funcionários sentiam-se cada mais valorizados. Paralelamente a isso, o presidente deixou claro que era também necessária a injeção de DNA novo na empresa. A média de idade, apesar de não ser vista como empecilho, era alta. Precisavam mesclar profissionais jovens, altamente capacitados, de forma a criar uma sinergia positiva entre a experiência e a juventude. Novas ideias, gente motivada e disposta a mostrar serviço. Jovens altamente promissores, recrutados nas melhores universidades, foram contratados e alocados em todas as áreas da empresa. Para cada um deles foram designados mentores, selecionados entre aqueles que mais conheciam o negócio da empresa. Tudo estava indo conforme o planejado e conforme o combinado.

Meses se passaram. "Calma, ainda é cedo ...". "Precisamos dar tempo ao tempo ...". A verdade é que a empresa continuava perdendo espaço no mercado, os concorrentes avançando, as vendas caindo. "O que fizemos de errado? Gastamos uma fortuna com treinamentos, contratamos os melhores profissionais recém-formados, temos uma equipe comprometida e conhecedora de todas as suas tarefas. Tem que haver uma explicação!". Diante dos 3 donos, atrás daquela mesa imponente de madeira de lei, sentado naquela moderníssima cadeira importada, o presidente não tinha a explicação. Foi demitido. A situação era crítica, a desmotivação era geral. Os antigos funcionários tinham dado o melhor de si, os jovens promissores tinham seguido à risca os ensinamentos aprendidos nas seções de mentoring, tinham tentado colocar todo o seu aprendizado acadêmico à serviço da empresa. Mas não havia funcionado. Tinha que haver uma explicação. Um dos donos resolveu voltar à presidência, era necessário apagar o incêndio. Por indicação de um amigo, contratou uma consultoria renomadíssima, especializada em situações como aquela. Passaram-se semanas analisando tudo e a todos. Até que veio o veredito, proferido em tom imponente por aquele consultor, do alto de seus um metro e noventa de altura: "Quem nasceu para lagartixa nunca vai chegar a jacaré. Não há nada de errado com as lagartixas, mas se forem colocadas para nadar no fundo do rio, não conseguirão. Elas têm suas qualidades, não adianta pedir para um jacaré subir na parede, ele não conseguirá. A lagartixa consegue. Precisamos colocar as pessoas certas nos lugares certos".

Seguiram-se intermináveis segundos de silêncio total. "Como assim?", pensavam alguns, reticentes em serem os primeiros a demonstar que não tinham entendido nada. Mas a elucidação daquela metáfora veio em seguida: "Os funcionários antigos são excelentes, não há nada de errado com eles. Mas são lagartixas. Têm limitações, são importantes mas não serão eles que comandarão a empresa. Não são predadores. Temos jovens excepcionais, acima da média. Eles sim são os jacarés, mas estão frustrados, não lhe foram dada a chance de nadar, ficaram subordinados às lagartixas e se continuarem assim vão acabar definhando e se tornando uma delas. Precisamos fazer uma reformulação geral nas posições chave da empresa, e urgente".

O desafio que se seguiu foi fazer toda essa reestruturação sem melindres. Tanto a consultoria quanto os donos da empresa usaram de todo tipo de política disponível, conversas à dois, explicações, abriram o jogo totalmente, detalhando a situação da empresa, as medidas necessárias, envolveram a todos. Foi criado um plano de demissão voluntária. Ofereceram condições altamente atrativas para a aposentadoria daqueles que já estavam em condições para isso. Novas contratações foram necessárias. Muitos dos antigos funcionários voltaram para as tarefas em que eram bons, em que eram os melhores. Alguns jovens promissores assumiram posições de liderança. Os donos ainda mantiveram-se no comando durante alguns anos, até que um processo de sucessão fosse implementado e começasse a dar frutos. A empresa, repleta de jacarés e lagartixas, recuperou mercado, voltou a dar lucro.

sexta-feira, setembro 11, 2009

[Livro] O Mercador de Veneza, de William Shakespeare

Definitivamente é uma história mais para ser vista do que lida. A estrutura do texto no livro, dividida nas falas das personagens como scripts dificulta a fluência da leitura. A linguagem muito rebuscada (o livro foi escrito séculos atrás) também não colabora muito para uma experiência mais leve e agradável. De qualquer forma, o destaque vai para a facilidade que Shakespeare tinha em trabalhar com as palavras.

terça-feira, setembro 01, 2009

[Conto] A empresa onde ninguém tirava férias

Aquela era uma empresa onde ninguém tirava férias. Ninguém sabia bem explicar os motivos reais, mas a verdade é que todo novo funcionário era prontamente avisado, depois de contratado, que dificilmente iria ter o seu merecido descanso anual. Não era uma posição oficial da empresa, que também não se preocupava em desmentir. Antigamente era até melhor, pagava-se hora extra, agora nem isso mais, vai tudo para o banco de horas. Muitos funcionários não se adaptavam e saíam antes de completar 12 meses. Alguns recém-contratados falavam de boca cheia "Onde já se viu isso? Lógico que vou tirar férias ...". Passado algum tempo caíam na realidade e já se acostumavam com a ideia. Por esse motivo, quando Rodolfo foi contratado e afirmou categoricamente que tiraria 30 dias de folga no ano seguinte ninguém deu importância.

Rodolfo era um contador experiente, tinha lá seus 45 anos de idade, casado, dois filhos. Nem alto nem baixo, cabeleira rala mas ainda não grisalha, chamava a atenção por seu aspecto calmo e bem-humorado. Havia sido contratado por indicação de um amigo, ciente da necessidade que a empresa tinha de uma pessoa com capacidade de liderança e com conhecimentos atualizados na área. Astrogildo, o antido chefe da Contabilidade havia se cansado depois de 20 anos de trabalho sem uma única semana de folga. Aquela figura bonachona com barrigão saliente e sempre com um cigarro à boca, sentada em sua poltrona tipo presidente de couro preto, sem dúvida deixaria saudades.

Rapidamente, o trabalho do novo funcionário mostrou resultados. Mudou os móveis de lugar, melhorou a luminosidade da sala, mandou instalar vasos de plantas e, ao contrário do antigo dono do cargo, instalou sua mesa junto aos demais funcionários, relegando à sala do gerente à um mero depósito de documentos fiscais. Organizou todas as tarefas, mudou as atribuições de cada membro de sua equipe de acordo com as características de cada um, delegou muita coisa, estabeleceu metas de produtividade e critérios de bonificação. O ambiente de trabalho no departamento mudou da água para o vinho, todos trabalhando felizes e motivados. A diretoria, reconhecendo o bom trabalho, deu mais autonomia para Rodolfo fazer novas contratações. Aumentou seu salário.

O tempo foi passando e próximo ao final do ano, Rodolfo começou a comentar com todos na empresa que já tinha alugado uma casa maravilhosa na praia para passar 20 dias em companhia da família e amigos. As reações iam de incredulidade à ironia: "Ninguém aqui tira férias, ele acha que vai tirar?", "Quem ele acha que é, mal entrou na empresa e já acha que pode tudo?", "Ele vai só ver quando falar isso pra diretoria !". Quanto mais Janeiro se aproximava, mais as fofocas aumentavam. Alheio a toda essa polêmica continuou seu trabalho junto com sua equipe, cada vez mais produtiva.

No dia em que Rodolfo havia dito que entraria de férias, uma belíssima segunda-feira de sol, todos chegaram mais cedo. Queriam esperá-lo no portão da empresa para começar a zoação. Esperaram, esperam e nada do Rodolfo. Um voluntário resolveu ir até o RH, como quem não quer nada, perguntar por Rodolfo. A resposta foi inesperada: "O Sr. Rodolfo está de férias, volta dentro de 20 dias". A notícia se espalhou como fogo no palheiro, ninguém mais trabalhava direito, a produção praticamente parou. Percebendo todo aquele tumulto e um monte de gente sem trabalhar, um dos diretores foi até o pátio, chamou a todos e pediu uma explicação:

"O que é que está acontecendo aqui hoje? Por que esse buxixo todo e esse monte de gente à toa?

Um corajoso resolveu responder:

"Alguns de nós estão aqui na empresa há anos e nunca tiramos férias. Agora, do nada, um funcionário com um ano de casa consegue tirar, isso é muito injusto !"

A resposta não poderia ser mais clara e direta:

"Nunca ninguém disse a vocês que não podiam tirar férias. Acontece que nenhum de vocês preparou alguém para os substituir. Se eu permitir que vocês se ausentem da empresa por vários dias, teremos problemas sérios para continuar as atividades normais. Já o Rodolfo trabalhou esse tempo todo montando sua equipe, delegando tarefas, de modo que mesmo que ele se ausente por 3 semanas, o pessoal que trabalha com ele conseguirá realizar o trabalho, sem nenhum transtorno".

À partir daquele dia houve uma mudança radical naquela empresa. A produtividade e a satisfação aumentaram. A mentalidade de todos também. Passaram a tirar férias, como sempre sonharam.

segunda-feira, agosto 31, 2009

Estante Virtual


Uma das justificativas usadas por várias pessoas para não ler muito é a de que livro custa muito caro. Apesar de não concordar e também de achar que isso não é motivo, acabei de encontrar a solução. Trata-se do site Estante Virtual, uma ideia extremamente criativa que consiste na intermediação de venda de livros usados entre usuário e sebos de todo o Brasil.

Basta entrar no site, procurar o livro que deseja e ver os inúmeros sebos que têm o produto em estoque. Em seguida, pode-se analisar diversos detalhes como preço, localização do sebo, opiniões de outros clientes, estado de conservação do livro, fotos, etc. Para fazer a compra, é necessário um cadastro bem rápido no site. Depois disso basta finalizar a compra, que pode ser paga (na maioria dos sebos) através de cartão de crédito, boleto, débito em conta, etc. Há também um recurso importantíssimo referente à compra segura. O dinheiro fica bloqueado até que o produto chegue até você. Se não gostar ou for enganado pode evitar o pagamento.

Há alguns dias, realizei minha primeira experiência de compra na Estante Virtual. Comprei o livro Espiões, de Michal Frayn, do sebo A Ventania, de São Paulo. O livro novo pode ser encontrado por R$ 44,00. Eu comprei por R$ 18,00 e, para minha agradável surpresa, recebi o livro em perfeitas condições de conservação, praticamente novo. Obviamente que nem sempre deve ser assim, mas analisando a reputação do sebo junto aos outros usuários, diminui-se em muito a chance de dar algo errado.

quinta-feira, agosto 20, 2009

Proibição de publicidade de remédios e da venda de outros produtos em farmácias

As mais recentes decisões tomadas pela Anvisa reavivam um assunto muito importante: até que ponto a interferência do governo em questões que não lhes dizem respeito
diretamente ajuda ou atrapalha? Estou falando da proibição de vinculação de peças publicitárias referentes à remédios e da proibição das farmácias venderes produtos que não sejam medicamentos. A verdade é que os governos, principalmente aqui no Brasil, tendem a terceirizar responsabilidades e tomar atitudes totalmente esdrúxulas para resolver os problemas cuja solução são cobrados pela opinião pública.

Segundo a visão totalmente míope do governo federal, as proibições de propagandas e de venda de outros produtos visam inibir a automedicação. É importante destacar que a automedicação é realmente um problema muito sério e que deve ser combatido. Mas peraí? Já não era proibido vender remédio sem receita? Se já existia uma lei nesse sentido, bastaria fiscalizar e pronto. Não haveria influência negativa nenhuma de termos comerciais sobre medicamentos e muito menos a oferta de outros produtos nas farmácias. A questão é que, a exemplo de outras situações semelhantes, é muito mais fácil para nossas "queridas" autoridades repassar todo o ônus e toda a responsabilidade para as costas dos empresários e ainda ficar com pose de "zeladores do bem comum". Trabalhar que é bom mesmo, buscando melhorias na fiscalização da venda indevida de medicamentos, está fora de cogitação. Trabalhar cansa ... Daqui há algum tempo vão proibir as pessoas de circularem à pé nas cidades para resolver o problema dos atropelamentos.

As perdas que tais atitudes irão causar às agências de publicidades, às farmácias, ao emprego e aos próprios consumidores não são levadas em conta. Eu, como cidadão,
quero sim saber do lançamento de um novo remédio para gripe. Se me interessar, converso com meu médico, que irá analisar a viabilidade de me recomendá-lo. Eu também quero ter a oportunidade de comprar uma lata de refrigerante na farmácia da esquina ao invés de ter que pegar o carro e ir ao mercado. Além disso, quem vai se
responsabilizar pelos investimentos feitos pelas farmácias e grandes redes de drogarias para se adequarem? O que farão com os estoques de produtos agora proibidos?

A questão do bafômetro pode ser vista pela mesma perspectiva. Já existia lei que penalizava motoristas embriagados. Bastava fazê-la cumprir, com fiscalização
séria e punições severas. Mas não, em busca dos holofotes, nossos políticos tiveram a brilhante ideia de criar outra lei. Fizeram isso porque têm motorista particular e imunidade de tudo quanto é tipo. Quem sofre é o cidadão comum, que não pode nem ir jantar com a esposa e tomar um cálice de vinho.

Existem algumas propostas positivas nesse sentido. Está para ser votado (ou já foi, não sei exatamente) um projeto de lei que exime o cidadão de ter que usar cópias autenticadas em repartições públicas, desde que apresente o original ao funcionário que estiver lhe atendendo. Além disso, órgãos do governo não poderão mais solicitar às pessoas certidões que devem ser obtidas em outros órgãos do próprio governo. Nesse caso, a própria instituição que está prestando o serviço é que deve, via integração com outras áreas, obter as informações necessárias.

Apesar de iniciativas interessantes, os resultados são ínfimos. Mal sabia eu que era feliz quando criança pois não conseguia enxergar coisas que hoje enxergo.

sexta-feira, agosto 14, 2009

Como controlar sua carreira

A mais recente edição da Revista Exame (edição 949, do dia 15/08/2009) trouxe mais uma vez a coluna "Agenda do Líder", assinada por Jack e Suzy Welch.

Com o título "Como controlar sua carreira", os dois autores opinam sobre as perguntas que qualquer profissional deve fazer antes de tomar decisões sobre o futuro:

1) Meu trabalho me permite trabalhar com pessoas que compartilham o que eu sinto em relação à vida ou eu preciso me fechar em mim mesmo e talvez pôr uma máscara até o fim do expediente?

2) Meu trabalho me torna mais inteligente, ele amplia minha capacidade mental e me prepara para sair da minha zona de conforto?

3) Meu trabalho abre portar para mim?

4) Meu trabalho dá algum sentido à minha vida?

Através das respostas podemos avaliar se precisamos mudar o rumo de nossa carreira ou de nossa vida ou se tudo vai bem. Vale a pena ler o artigo inteiro, através da revista impressa ou, se você é assinante da Editora Abril, pode acessar pelo endereço.

[Livro] Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século

Há algum tempo passei a me interessar por contos. Para quem não conhece a definição, de forma bem resumida conto é uma história mais curta que um romance, geralmente de poucas páginas. Naturalmente, um dos livros que me despertou interesse foi Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século (Ítalo Moriconi (Organizador); Objetiva; 618 páginas; R$ 69,90). No livro, o organizador Ítalo Moriconi selecionou os 100 melhores contos (na opinião dele, é claro) do século passado, que vêm ordenados pelas décadas em que foram escritos.

São mais de 600 páginas de contos dos mais variados assuntos e dos mais variados estilos. Na minha opinião, o ideal seria manter o livro na cabeceira, lendo um conto por dia. Mas eu, particularmente, não consigo iniciar um livro e terminá-lo de forma tão lenta. De uma forma ou de outra, a verdade é que encontramos contos muito bons e ... contos horríveis. Eu, como leitor amador, sinceramente não consegui entender a inclusão de textos tão ruins na selação dos cem melhores. Mas, de maneira geral, os contos são realmente de boa qualidade.

Por fim gostaria de fazer uma observação: creio que não seja todo leitor que goste ou vá gostar de ler contos. Alguns com certeza não gostarão, mesmo que eles sejam excelentes. O conto, por ser natureza intrínseca, geralmente exige uma leitura mais atenta aos nuances, às palavras, às frases, ao que está escrito nas entrelinhas, ao que o autor quis escrever mas não escreveu. Sendo assim, sugiro àqueles que nunca se dedicaram a leitura desse tipo de literatura que comecem com livros menores (e mais baratos), antes de investir tempo e dinheiro em um desse tamanho.

terça-feira, agosto 11, 2009

[Livro] Execução

Existem livros e temas que precisam ser lidos no momento certo, ou da vida, ou da carreira profissional. Um desses livros é Execução (Ram Charan, Larry Bossidy; Campus; 264 páginas; R$ 40,90). A obra aborda principalmente os meios de conseguirmos executar, em termos profissionais, aquilo que prometemos. Afirma, criteriosamente, que de nada adianta belos planejamentos se no final a empresa não conseguir colocá-los em prática.

Comprei este livro há alguns anos e o li na época. Não me acrescentou muito, e nem poderia. Naquele momento eu sequer tinha uma posição de liderança. Até entendi os conceitos mas não consegui fazer um paralelo com o trabalho que eu e a empresa onde atuava realizávamos. Um pouco mais maduro e com um cargo mais gerencial, resolvi relê-lo. Foi uma decisão acertada: desta vez consegui absorver mais os ensinamentos propostos e retirei lições que podem ser usadas no meu trabalho.

Cito abaixo alguns trechos interessantes à todos aqueles que gerenciam uma equipe:

"Conclua o que foi planejado: (...) A quantas reuniões você já compareceu nas quais as pessoas vão embora sem conclusões firmes sobre quem ia fazer o que e quando ? Todos podem ter concordado que a ideia era boa, mas, como ninguém foi responsabilizado pelos resultados, nada aconteceu. (...)" Página 76

"(...) Muito frequentemente, esses líderes não prestam muita atenção às pessoa [que contratam], pois estão muito ocupados pensando em como tornar suas empresas maiores ou mais globais do que as dos concorrentes. Eles não estão considerando que a qualidade de seu pessoal é o fator de maior vantagem competitiva. (...) ao longo do tempo a seleção de pessoas certas é o que cria essa difícil vantagem competitiva sustentável. (...)" Página 111

"Sobre gerentes que não sabem delegar: (...) Alguns reprimem seus subordinados, tirando sua iniciativa e criatividade. Eles são gerentes de detalhes, líderes inseguros que não conseguem acreditar que os outros farão a coisa certa porque não sabem como avaliá-los e monitorar seu desempenho. Eles acabam tomando todas as decisões-chave sobre os detalhes, por isso não têm tempo para lidar com as questões mais importantes que deveriam estar enfocando ou reagindo às surpresas que inevitavelmente aparecem (...)" Página 124

"Líderes que trabalham muito além do horário são pessoas que não conseguem fazer com que as coisas aconteçam por meio de outras pessoas." Página 261

"Quando for avaliar uma pessoa, não confie apenas na opinião e nas observações do seu chefe. (...) Reúna cinco pessoas que conheçam o avaliado numa sala. Faça-as abrir, compartilhar ideias, discutir suas observações e chegar a uma conclusão. O diagnóstico virá da convergência de seus pontos de vista diversos. Esse é o cerne de seu processo de pessoal (...)" Página 157
De qualquer forma, o público alvo de Execução é formado pelos escalões mais altos: diretores e presidentes. Os autores usam e abusam de exemplos práticos de empresas de grande porte, cuja realidade é muito distante daquelas observadas na empresa em que eu trabalho, por exemplo. Obviamente, tudo o que se lê acaba contribuindo para melhorar a visão e argumentação, mas alguns trechos acabam ficando muito no teórico, em função da falta de experiência prática nos assuntos tratados.

Aconselho àqueles que querem ler o livro mas que temem falta de experiência prática em grandes corporações a dar maior destaque à Parte II (o livro tem 3), que discute "Os Elementos da Execução". Este trecho é, digamos, mais light, e trata bastante sobre liderança, mudança de cultura na empresa e delegação.

segunda-feira, julho 20, 2009

Revista Exame: Como ter sucesso a partir de agora

A Revista Exame, da Editora Abril, publica uma coluna chamada Agenda do Líder, escrita pelo renomadíssimo Jack Welch e sua esposa Suzy.

Na edição 947, de 15 de julho de 2009, os autores falam sobre dicas que dariam à recém graduados na universidade, prestes a entrarem no mercado de trabalho. Um trecho em especial me chamou a atenção e resolvi transcrevê-lo aqui:

"(...) ame todo mundo. Estamos falando sério. Vivemos em uma cultura de crítica e sarcasmo generalizados. Somos tentados a descartar quem parece menos bem-sucedido e a rotutá-lo de estúpido. Somos tentados também a cair na armadilha da política do meio em que trabalhamos, a fazer parte desta ou daquela panelinha, na esperança de que nosso grupo saiba realmente das coisas. Tudo em vão. A maior parte das pessoas que você encontra em seu lugar de trabalho, pouco importa a posição hierárquica ou o título delas, sabe alguma coisa que você não sabe. Muita gente, seja qual for seu nível, pode orientá-lo em algum assunto. Portanto, procure-se livrar de seu cinismo e escute o que todos têm a dizer. Isso vai fazer de você uma pessoa mais inteligente e também mais humilde. Se inteligência e humildade forem as duas principais características que as pessoas veem em você, considere-se um vencedor - a despeito do que esteja acontecendo com o produto interno bruto (...) "

sexta-feira, julho 17, 2009

[Conto] Esse menino vai longe

Luís Otávio era um menino prodígio. Inteligente, criativo, curioso ... Ouvia desde criança "Esse menino vai longe!" Estudou nos melhores colégios, sempre como melhor aluno da classe. Prestativo, sempre ajudava os colegas nas tarefas, o que despertava ainda mais a admiração de todos. Era bom em todas as matérias, mas sem dúvida alguma gostava mesmo era de Matemática. O menino foi crescendo e logo ingressou em uma das melhores universidades de Computação do país. Obviamente, em primeiro lugar. O que diferenciava Luís Otávio dos inúmeros "crânios" que estudavam com ele era sua humildade, paciência e empatia. "Esse menino vai longe!", proclamavam os professores. A carreira escolhida lhe trazia imensa felicidade pelos desafios, mas o que Luís Otávio gostava mesmo era de lidar com gente. Antes mesmo de formado, Luís Otávio foi assediado por grandes empresas do segmento de TI. Com bastante calma e critério escolheu uma delas e iniciou sua carreira profissional. Queria trabalhar com implantação de software, área na qual era forte pois podia usar toda a sua habilidade em integrar homens e máquinas. Participava de projetos grandes, em grandes empresas. Profissionais que conviviam com Luís Otávio, invariavelmente, se sentiam privilegiados. Clientes passaram a solicitar que Luís Otávio integrasse a equipe que os iria atender. "Esse menino vai longe!", exclamavam seus superiores.

Luis Otávio era totalmente consciente e seguro de suas potencialidades. Não se assustava com nenhum desafio, problema difícil era com ele mesmo. Sua autoconfiança e excelente autoestima eram armas poderosíssimas na condução dos projetos que gerenciava. Um destes grandes projetos para o qual Luis Otávio foi designado era em uma grande multinacional fabricante de peças para plataformas de extração de petróleo. Era o projeto dos sonhos. Ele já tinha implantado software em empresas que não tinham a mínima infraestrutura e nenhuma padronização de processos. Mesmo nestes casos, tinha obtido sucesso estrondoso. Esta empresa havia montado uma infraestrutura digna de primeiro mundo, investimentos altíssimos em produtos de primeira linha. Os processos todos mapeados, padronizados e colocados em um quadro dentro de cada setor. Certificações de qualidade eram exibidas com orgulho. Implantar um software nesta empresa passou a ser encarado por Luis Otávio como um período de férias. O principal produto fabricado por esta empresa, vendido tanto no Brasil quanto no exterior, era um sensor que era instalado no painel de gerenciamento da principal sonda de extração. Sua produção era envolvida por mecanismos de proteção contra espionagem industrial, realizada em salas totalmente controladas de umidade e temperatura, tudo muito moderno e seguro. Luis Otávio se envolveu em todos estes processos, como sempre sugerindo mudanças e aperfeiçoamentos, todos aceitos de prontidão. Logo o cliente percebeu que estava sendo atendido por alguém diferenciado e o comentário nos corredores da empresa era: "Esse menino vai longe!". Além da alta cúpula, Luis Otávio também se envolveu com o pessoal de produção, visto que sua equipe era responsável pelos treinamentos de todos os supervisores e gerentes. Um dos supervisores era Paulo. Um dos integrantes da equipe de Paulo era José João, conhecido por todos como JJ, funcionário que cuidava da separação e expedição das mercadorias. Luis Otávio, ao conhecê-lo, nem imaginava que ele seria responsável por manter seu emprego.

O projeto seguia seu cronograma de forma impecável. A estrutura interna da empresa colaborava muito e Luis Otávio realmente se sentia meio em férias devido à facilidade em empregar suas técnicas de gerência de projetos em uma empresa tão organizada. Todos os treinamentos e certificações foram realizados. Semanas antes do prazo previsto o projeto estava finalizado, restando apenas o acompanhamento dos novos processos e softwares no ambiente real de produção. Nesta etapa Luis Otávio não ficaria mais full-time na empresa, teria apenas reuniões semanais com o cliente para confirmar que tudo estaria funcionando perfeitamente. Com a agenda liberada, logo alocaram-no em outro projeto, cujo cliente abriu mão da urgência em iniciar as atividades apenas para aguarda-lo. Era uma bela tarde de sexta-feira. O céu com aquele azul irretocável, sem nenhuma nuvem. A temperatura extremamente agradável, prometendo um final de semana daqueles. O celular de Luis Otávio tocou. Seu chefe, aparentemente nervoso e afobado exigiu que ele fosse imediatamente à sede da empresa fabricante de peças para plataformas de extração de petróleo. Não quis adiantar o assunto e disse que também estaria presente. Luis Otávio não tinha a miníma ideia do que se tratava ... Talvez algum prêmio, algum convite para projetos em outras unidades da empresa no exterior. Mas o tom de voz de seu chefe não deixava de ser estranho. Problemas não haviam, tinha visitado a empresa no dia anterior e só o que ouvia era "Esse menino vai longe!". Logo se desvencilhou dos seus afazeres e tratou de atender o chamado. O trânsito estava caótico. Aliás, o trânsito estava sempre caótico mas parece que neste dia em especial estava ainda mais. O céu já não estava tão limpo, algumas nuvens surgiram, borrando de cinza aquela imensidão azul. Logo que conseguiu chegar à empresa, Luís Otávio se dirigiu à sala de reuniões. Era uma sala imensa, muito moderna, luxuosa. As paredes em um tom marrom bem claro, as janelas bastante amplas, permitindo que a luz natural invadisse o local. Só que naquele momento, as luzes estavam todas acesas uma vez que o céu já estava totalmente nublado.

"Alguma coisa de muito grave vem acontecendo desde que colocamos o projeto em produção. E só descobrimos isso agora. O impacto não poderia ser pior: nossos clientes em todo o mundo têm recebido produtos diferentes do que pediram e não podem esperar o reenvio. Estão buscando alternativas mais rápidas em nossos concorrentes e essa história toda já vazou. Nossa credibilidade, fator fundamental nesse mercado, está totalmente arranhada." Luis Otávio achou que tratava-se de alguma brincadeira e começou a sorrir, esperando que os outros fizessem o mesmo. Todos, exceto ele, se entreolharam com semblante preocupado. O assunto era realmente sério. Começou de imediato o trabalho para tentar identificar o que estava causando tal inconsistência na entrega dos pedidos. Convocou sua equipe. Ficaram todo o final de semana trabalhando, inclusive de madrugada. E nada ... Tudo estava certo, não tinha como dar errado. Ele não ousava falar isso para a cúpula da empresa, afinal os clientes estavam recebendo produtos errados e era isso que importava. Seu chefe o pressionava, ligava várias vezes ao dia. Percebeu que as palavras já não eram mais de elogios e sim de cobrança e desconfiança. A empresa poderia e certamente iria entrar na justiça exigindo reparação de perdas. Na segunda-feira, pela manhã, já esgotado e sem encontrar o problema, Luis Otávio resolveu dar sua última cartada: conversar com os funcionários e pedir ajuda. Logo ele, sempre autosuficiente. Não havia outra solução.Depois de muita conversa sem acrescentar nada, Luis Otávio foi ao encontro de José João e expôs o que estava acontecendo, na esperança de obter algo de útil, apesar de saber que dificilmente uma pessoa tão simples e limitada pudesse lhe ajudar. JJ, com aquele jeito simples mas confiante de quem já trabalhava na empresa há anos, ficou surpreso com o que tinha ouvido e meio que automaticamente começou a descrever à Luis Otávio todo o seu trabalho, rotina esta que Luis Otávio sabia até de trás para frente. Afinal de contas, ele que tinha modelado todo o processo.

"O problema não pode ser aqui. Faço isso há anos. A única coisa que mudou foi essa maquininha e os códigos de barra. Pego ela e vejo na tela o número do pedido e os produtos que estão pedindo. Conforme vocês me falaram, presto muita atenção no endereço do estoque indicado. Quer ver eu fazendo, doutor ?", discursou JJ.

A tal maquininha era um coletor de dados de última geração, que havia custao 5.000 dólares. Totalmente desanimado e com certo desdém, Luis Otávio resolveu olhar JJ executando seu trabalho. Foi quando, de repente, ele totalmente boquiaberto viu JJ pegando um produto em um endereço de estoque diferente do que estava indicado no pedido.

"Você está louco JJ? No pedido está indicado endereço 110B, que é lá em cima e você pegou a caixa no 80B, aqui embaixo. Por que fez isso?".

A resposta veio rápida e, esclarecedora:

"Ué doutor, as caixinhas são todas iguais, se eu tiver pegar aquela lá em cima vou ter que buscar a escada, vai demorar muito ...".

As caixinhas não eram iguais. Aliás, as caixas até que eram, mas os produtos dentro delas não. Apesar de semelhantes, os produtos tinham especificações diferentes, muitas vezes milimetricamente diferentes. JJ tinha acabado de desvendar o mistério. Apesar de todo o processo ter sido mapeado e desenhado corretamente, bastou um funcionário não entender a importância e a necessidade de, em algum momento, pegar a escada e gastar mais tempo na busca pelo produto, para que tudo fosse por àgua abaixo. Uma reunião de emergência foi convocada e tudo explicado à cúpula da empresa, nos mínimos detalhes. JJ tinha mais de 30 anos de empresa. A culpa havia sido dele ou de alguém que não explicou as coisas como deveriam? JJ foi remanejado de cargo. Paulo, seu chefe, foi demitido. A empresa de Luis Otávio foi isentada de culpa e, por isso, sua fama e credibilidade foram recuperadas. A grande multinacional fabricante de peças para plataformas de extração de petróleo faliu depois de alguns meses. Não tinha encontrado meios de recuperar a confiança do mercado.

Contos

Comentei em alguns posts antigos que pretendia usar esse blog também par fazer análises de livros que eu tenha lido. Objetivo, de agora em diante, também postar alguns contos de minha autoria. Para que não sabe exatamente o que é um conto, segue abaixo uma descrição resumida:

O conto é a forma narrativa, em prosa, de menor extensão (no sentido estrito de tamanho). Entre suas principais características, estão a concisão, a precisão, a densidade, a unidade de efeito ou impressão total – da qual falava Poe (1809-1849) e Tchekhov (1860-1904): o conto precisa causar um efeito singular no leitor; muita excitação e emotividade. Ao escritor de contos dá-se o nome de contista.

Tenho intenção de usar como tema dos meus contos histórias e casos relacionados ao dia-a-dia de uma empresa e à vida profissional. O objetivo é promover, através de contos, uma reflexão acerca de vários temas.

Espero, sinceramente, que gostem!

sexta-feira, junho 12, 2009

Tragédia do voo AF 447, gerência de requisitos e qualidade dos usuários


A revista Veja desta semana, em reportagem sobre a tragédia terrível com o Airbus da Air France, trouxe o seguinte trecho: "Nada ilustra melhor a aviação comercial do que a máxima de que a solução parcial de um problema acaba criando novos problemas. (...) O mais intrigante é que as modernas tecnologias digitais embarcadas, ao invés de mitigar os desafios colocados aos projetistas, tornaram-nos ainda mais flagrantes. Uma dessas esteve no centro de algumas tragédias: o dispositivo digital projetado para impedir que os freios aerodinâmicos do avião, em especial aqueles que invertem o fluxo de ar das turbinas, os reversos, fossem acionados em pleno voo. Melhor: eles seriam acionados automaticamente quando do pouso. Os engenheiros basearam seu dispositivo no que parecia ser algo infalível. Um leitor digital de altitude trancava os reversos mesmo que o piloto os acionasse manualmente. A inovação destinada a resolver um problema acabaria criando vários. Em 1991, um Boeing 767 da Lauda Air caiu na Tailândia depois que, sem explicação aparente, os reversos se abriram em pleno voo. A investigação mostrou que o avião perdeu altitude em uma turbulência e o computador interpretou o fenômeno como um pouso, acionando os freios. Como resolver isso sem perder a automação? Os engenheiros modificaram o dispositivo de acionamento dos reversos, de modo que os sensores informariam ao computador para abri-los apenas depois que os dois conjuntos de pneus do trem de pouso tocassem o solo. A modificação foi considerada perfeita e adotada universalmente pelos fabricantes. Mas... e há sempre um mas... dois anos depois um Airbus A320 da Lufthansa não conseguiu acionar os reversos ao pousar na pista gelada do Aeroporto de Varsóvia, matando dois dos setenta passageiros. A causa? Ventos laterais fortes fizeram com que o trem de pouso da esquerda tocasse o solo nove segundos depois do da direita. O computador, fiel a sua programação, não
acionou os reversos e impediu os pilotos de ativá-los até que todos os pneus tivessem tocado o solo. Mais uma modificação foi feita, então, no desenho do dispositivo. Agora ele apenas informa o piloto, que decide quando acionar os freios."

Para quem tabalha com o desenvolvimento de sistemas, os casos acima citados são incrivelmente familiares. Um dos maiores desafios da engenharia de software tem sido conseguir obter do usuário as suas reais necessidades. É muito mais comum do que deveria, existir retrabalho no desenvolvimento de sistemas justamente porque, ou o usuário não soube dizer o que queria ou então o analista não conseguiu entender.

Investimentos vultosos têm sido feitos na área de Gerência de Requisitos, tanto no desenvolvimento de metodologias quanto na quantidade de horas gastas nessa etapa do processo. As empresas de tecnologia já perceberam que fica muito mais caro "remendar" do que fazer certo a primeira vez.

O trecho acima transcrito cita alguns exemplos clássicos de problemas de Gerência de Requisitos. No caso da abertura automática do reverso, alguém deveria ter alertado aos desenvolvedores do sistema que uma queda abrupta de altitude não poderia ser interpretada erroneamente como pouso. Ou então, se foram avisados, pior ainda, o produto final não atendeu aos requisitos. Na tentativa de fazer o "remendo", incluíram mais um requisito ao sistema: o reverso deveria ser acionado apenas quando os dois conjuntos do trem de pouco tocassem o solo. Mais uma vez houve falha de requisitos, deixando escapar que, em alguns casos, ele deveria ser acionado, mesmo não estando com os dois conjuntos encostados no chão.

Problemas parecidos, a grande maioria menos sérios, acontecem todos os dias em várias empresas. A busca incessante por automatização de todos os processos acaba fazendo com que gerentes e analistas de requisitos tenham trabalho redobrado, pois é exigido muitas vezes que o sistema comece a tomar decisões pelos seus usuários. Estes, por sua vez, não querem ou não sabem expressar todo o seu conhecimento. Com isso, exige-se desse tipo de profissional de tecnologia conhecimento apurado não somente da parte técnica como também dos detalhes de negócio. Por outro lado, pouco exige-se do usuário em termos de capacitação técnica e de negócio. A impressão que dá é que eles estão se sentindo cada vez menos responsáveis pelo desenvolvimento e uso dos sistemas. Estamos diante de um curioso paradoxo: as empresas querem automatizar tudo porque não confiam no que seus funcionários fazem e, por outro lado, os softwares vêm tendo comportamentos ambíguos justamente por terem a
responsabilidade de tomar decisões que deveriam caber à seres humanos.

Na minha opinião muito peso tem sido colocado nas equipes de desenvolvimento de software e nos próprios sistemas. É urgente e indispensável que se invista também na cultura geral e raciocínio lógico dos usuários. Ao contrário do que muita gente pensa, o maior sonho de um desenvolver de sistema não é substituir pessoas por softwares e sim ter pessoas inteligentes usando-os.

segunda-feira, junho 08, 2009

[Livro] Frenesi Polissilábico

De uns tempos para cá testou me achando "o leitor". Depois de ler Para Ler Como um Escritor comprei Frenesi Polissilábico (Nick Hornby, Rocco; 264 páginas; R$ 33,00). Depois de ver uma indicação na revista Veja resolvi comprar esse livro de capa simpática e colorida. Hornby é um crítico literário britânico que tem uma coluna mensal na revista Believer. Nesta coluna, ele indica as obras que comprou e leu no mês e tece alguns comentários, sempre bem humorados. Frenesi traz colunas publicadas na Believer entre setembro de 2003 e junho de 2006.

Da mesma forma que comentei na resenha que fiz de Para Ler Como um Escritor, este é um livro que vai agradar mais os apaixonados pela literatura e profissionais da área. Apesar do humor divertido de Hornby, suas colunas falam apenas sobre livros, autores, literatura. Não que isso seja ruim, mas para aqueles leitores esporádicos com certeza a leitura de Frenesi se tornará entediante. Essa questão torna-se ainda mais destacada pelo fato de que várias das obras citadas e comentadas não terem tradução para o Português. Além disso, o autor usa e abusa de fatos da cultura popular britânica, o que torna muitas vezes quase impossível entender suas piadas ou ironias.

Mas Frenesi tem opiniões muito interessantes. Uma delas é a de que ninguém deve ser criticado por aquilo que está lendo. Gosta de ler Sabrina ? Gibis ? Harry Potter ? Paulo Coelho ? Não importa ... Gosto é gosto ! Além disso, obras consideradas por alguns como menos nobres podem estar sendo responsáveis por iniciar o hábito e principalmente o poder da leitura em algumas pessoas. Hornby diz "(...) E por favor, pelo amor de Deus, parem de fazer pouco caso daqueles que estão lendo e curtindo um livro (...) ninguém sabe que tipo de esforço isso representa para [este] o leitor. Pode ser o primeiro romance adulto que a pessoa esteja lendo na íntegra; pode ser o livro que finalmente revele o propósito e a alegria de ler para alguém que até então estava confuso pela atração que os livros exercem sobre os outros. E, de qualquer forma, ler por diversão é o que todos nós deveríamos fazer. (...)".

Uma parte que achei bem divertida é aquela em que o autor fala um pouco sobre as dificuldades de um pai (ou mãe) de família com filhos tem para arrumar tempo dedicado à leitura: "(...) Taí, ótima ideia: se você tiver filhos, dê à sua esposa ou a seu marido um vale-leitura no próximo Natal. Cada vale dá direito a duas horas de leitura enquanto as crianças estão acordadas. Pode parecer um presente sovina, mas os pais vão ver que na prática acaba sendo mais valioso do que um Lamborghini (...)".

De uma forma geral, Frenesi é um livro agradável. Com certeza os profissonais da literatura faram melhor uso dele do que leitores amadores como eu. Hornby não é um crítico literário acadêmico e sim um crítico muito mais próximo ao leitor normal do que vários outros. Suas opiniões nos ajudam a entender melhor a forma de se analisar uma obra e deixa nosso senso críticos mais apurado, o que é sempre muito bom.

sexta-feira, junho 05, 2009

Cultura e subcultura empresarial

De acordo com o site Comunicação Empresarial, cultura empresarial "compreende um conjunto ou sistema de significados que são compartilhados por uma determinada empresa ou entidade num tempo específico. Ela inclui valores e crenças, ritos, histórias, formas de relacionamento, tabus, tipos de gestão, de distribuição da autoridade, de exercício da liderança e uma série de outros elementos." Em outras palavras, a cultura de uma empresa é o jeito como as coisas funcionam dentro dela.

Toda empresa tem sua cultura. Pode não estar escrita ou documentada, mas ela existe e não é difícil identifica-la, principalmente conversando com funcionários que têm mais tempo de casa. Pergunte a uma destas pessoas como funciona a contratação de pessoal, o processo de desligamento, a comunicação diretoria com os funcionários, política de remuneração ...

A questão é: seria possível um líder (coordenador, gerente, diretor, etc) implantar uma cultura em seu departamento diferente daquela predominante na empresa. Imaginem uma empresa que tradicionalmente não investe em treinamento dos seus funcionários. Seria possível um gerente conseguir que esta mesma empresa invista em treinamento constante para os integrantes de sua equipe ?

A resposta é sim, é possível existir o que chamamos de subcultura empresarial, um departamento ter sua cultura própria, logicamente trazendo muitas das características da cultura principal. Surge então um segundo questionamento: isso é viável, ou seja, esse departamento conseguirá apoio da direção da empresa mesmo se comportando ou querendo se comportar de uma maneira diferente ? Depende.

Enquanto esse departamento estiver dando resultados acima da média, trabalhando com excelência e sem problemas de comportamento de seus integrantes ele terá todo apoio da direção. A verdade é que ninguém é bobo e a empresa sabe que, desde que essa equipe funcione muito bem, não há problemas em ter um tratamento diferenciado. É importante somente ressaltar que, dependendo da forma como estas pessoas e a direção tratem as difenças de cultura, podem surgir descontentamentos das outras áreas da empresa.

De qualquer forma, se por algum motivo qualquer, esta equipe passar a mostrar resultados menos expressivos, com certeza passará a ser cobrada também de forma diferenciada, podendo culminar com a eliminação da subcultura criada, muitas vezes através do desligamento daqueles que a criaram.

Podemos concluir então que devemos sempre buscar trabalhar em empresas que tenham os valores e crenças parecidos com os nossos. Não sendo possível, podemos tentar implementar algumas mudanças, mas tendo em mente que passaremos a ser mais observados, para o bem e para o mal.

terça-feira, maio 19, 2009

[Livro] Leite Derramado

Existem artistas cujo nome em qualquer tipo de produto já significa sucesso. Um destes artistas é Chico Buarque, que faz sucesso há muito tempo na música e lançou recentemente seu último romance Leite Derramado (Chico Buarque, Companhia das Letras; 200 páginas; R$ 27,80).

Houve extrema badalação no lançamento de Leite Derramado. Cobertura muito grande da imprensa, um ti-ti-ti imenso. Isso já me chamou a atenção à obra mas resolvi comprá-la mesmo depois de ver uma reportagem na Globo News onde alguns críticos literários analisaram o livro e teceram inúmeros elogios. Eu já havia lido há alguns anos Budapeste, também de Chico Buarque. Achei Budapeste um livro legalzinho, agradável ... e só.

Leite Derramado me deixou a mesma impressão. Sabe aqueles livros que você pergunta à alguém - "E aí, gostou do livro "X" ?" - e a pessoa responde - "Nooooooossa, adorei !" ? Definitivamente, na minha opinião, este não é o caso dessa mais recente obra de Chico. Uma resposta mais apropriada à pergunta acima seria - "É ... Gostei ...", sem muito entusiasmo.

O livro é narrado em primeira pessoa, um senhor já morimbundo em um hospital que, à espera da morte, relembra parte de sua vida, em especial àquela em que viveu junto ao seu grande amor, a Matilde. Alternando lembranças reais com alucinações imaginárias, Eulálio ao mesmo tempo em que parece estar contando tudo para uma enfermeira do hospital já se transporta pra a história, como se conversasse com os personagens. Esse "jogo no tempo" acaba sendo divertido, mas pode se tornar confuso para alguns leitores.

Como é um livro de leitura muito rápida, poucas páginas e capítulos curtos, indicaria sua leitura. Mas não esperem algo realmente inspirador e motivante.

segunda-feira, maio 18, 2009

[Livro] Para Ler Como um Escritor - Um Guia para Quem Gosta de Livros e para Quem Quer Escrevê-los

Tenho o costume de visitar uma livraria sempre que vou ao shopping. Gosto de ver os livros expostos, folheá-los, analisar as capas ... Numa destas visitas encontrei Para Ler Como um Escritor - Um Guia para Quem Gosta de Livros e para Quem Quer Escrevê-los (Francine Prose, Editora Jorge Zahar; 320 páginas; R$ 44,90). Por gostar muito de ler e quem sabe um dia consiga escrever um livro, resolvi comprá-lo mesmo sem nunca ter ouvido falar dele.

O público-alvo do livro é de escritores em início de carreira e pessoas que gostam muito de ler. Pode ser, e possivelmente é, usado como material em oficinas literárias e cursos de literatura. O método usado por Francine para abordar o tema é o de fazê-lo através de exemplos. Quando quer falar sobre as formas de se trabalhar um parágrafo, por exemplo, cita trechos de obras mundialmente conhecidas e faz suas explanações baseadas neles.

Importante também destacar que a autora nos incita a fazer o que ela chama de "close reading", que nada mais é do que uma leitura mais atenta, com mais calma, analisando palavra a palavra, frase a frase ... Para quem é da área literária, que vive disso, tenho certeza que essa forma de ler é altamente recomendável. Por outro lado, aos "meros mortais" creio ser impossível destinar tempo suficiente para ficar dias em apenas uma página de um livro.

A leitura é agradável, apesar de meio cansativa em alguns pontos. De qualquer forma, não indicaria a obra para aqueles que lêem pouco e não têm curiosidade mais específica sobre a arte de escrever. Outro ponto a ser destacado é que todo o livro é baseado principalmente em romances e contos. Se você deseja escrever um livro técnico, por exemplo, não vai conseguir extrair muita coisa que possa lhe ajudar.

terça-feira, maio 12, 2009

Análise e críticas de livros

Quem acompanha o blog já sabe que periodicamente coloco a minha análise pessoal de livros que tenho lido. No entanto, para não fugir do assunto principal do blog, coloquei até hoje somente análise de livros relacionados à assuntos como carreira, liderança, empresas, etc.

Não vou mais fazer essa restrição à partir de agora. Pretendo publicar análises e críticas de todos os livros que eu ler, sejam eles romances, crônicas, contos ou livros profissionais.

Não acredito que isso possa desvirtuar a ideia do blog visto que todo bom profissional geralmente gosta de ler. A leitura somente sobre assuntos ligados à nossa profissão pode tornar-se entediante. Além disso, ler sobre outros temas nos torna pessoas culturalmente mais ricas e com vocabulário ampliado.

De qualquer forma, para poder diferenciar, incluirei sempre a expressão [Livro] antes do título de cada post quando este for relacionado à crítica ou análise de alguma obra.

Por fim, gostaria de salientar que não tenho a pretensão de ser algo como um crítico literário. Para ser profissional é necessário base teórica e formação. Minhas análises e críticas tem caráter amador e informal.

quinta-feira, maio 07, 2009

(Off-Topic) Bradesco Seguros: relacionamento com o cliente

Aconteceu um caso comigo que penso valer a pena ser citado aqui.

Em novembro de 2008 eu renovei o seguro do meu carro. A corretora me passou os valores e a Bradesco Seguros apresentou a melhor proposta. Optei por ela, dividi o valor em 4 pagamentos mensais. O primeiro pagamento eu deveria fazer no ato, através de um boleto me enviado por email. E assim foi feito. Os 3 outros pagamentos deveriam ser feitos através de boletos que chegariam pra mim via correio. Os boletos chegaram, eu paguei a segunda e terceira parcelas. Por um engano meu, coloquei o boleto referente à quarta parcela na caixa de contas pagas e simplesmente esqueci de pagar. O vencimento desta última parcela era fevereiro de 2009.

Alguns dias depois do vencimento, recebi uma carta da Bradesco Seguros me informando que eu não havia pago o boleto e avisando que eu poderia perder a apólice e suas coberturas caso o pagamento continuasse em aberto. No dia seguinte ao recebimento deste comunicado, recebi um telefonema da empresa perguntando se eu havia recebido a carta e reforçando a questão de que eu deveria pagar para não perder o seguro. Belo exemplo de relacionamento com o cliente, correto ? Sim, excelente se isso que acabei de relatar tivesse sido o que aconteceu.

O que aconteceu na verdade foi que a Bradesco Seguros sequer me enviou um comunicado avisando que eu não havia pago a última parcela. Dizem que mandaram, mas eu não recebi nada. Mesmo que tivessem mandado, imagino que deveriam ter ligado pra confirmar, afinal os comunicados que eles mandam não são registrados, não têm como saber se eu recebi ou não. Dias atrás, em abril, eu recebi uma carta dizendo que por eu não ter pago a última parcela minha apólice estava cancelada. Falei com meu corretor que tentou, mas não conseguiu, uma forma de eu pagar (com juros e correção) o valor que eu devia, para que eu não perdesse a apólice.

Liguei na Ouvidoria da Bradesco Seguros argumentando que, apesar de ter sido um erro meu, acredito que a empresa poderia tratar o assunto de outra forma, visto que sou cliente deles e não pretendia mudar de seguradora. Anotaram todas as minhas reclamações e disseram que entrariam em contato em 5 dias úteis. Como não me ligaram nesse tempo, entrei em contato novamente e fui informado que o ouvidor não acolheu minha reclamação e que a apólice estava realmente cancelada.

Acredito que esse tipo de postura de uma empresa não é a correta para com seus clientes. Ainda mais em momentos de crise como o atual, creio que as elas não podem se dar ao luxo de perder clientes por causa de situações idênticas. Mais uma mostra de que empresas como a Bradesco Seguros têm o discurso totalmente diferente da prática. Uma coisa é ficar falando que trata bem o cliente, outra é fazê-lo no dia-a-dia.

quarta-feira, maio 06, 2009

Skoob

Hoje tive o prazer de conhecer um site de relacionamento chamado Skoob ("books" ao contrário). Trata-se de algo no estilo do Orkut mas direcionado à pessoas que gostam de ler um bom livro.

Para participar você cria um perfil e à partir dele pode indicar os livros que leu, está lendo ou deseja ler. Pode também adicionar amigos, trocar mensagens, fazer análises e críticas dos livros. Há também ferramentas de pesquisas para encontrar algum livro e ver quais os comentários e a nota que outros usuários deram a ele.

Muito interessante, com certeza vale a pena participar. O endereço é: http://www.skoob.com.br

terça-feira, abril 28, 2009

Clássicos do Mundo Corporativo

Max Gehringer ficou bastante conhecido pelo quadro "Emprego de A à Z", exibido no Fantástico. Ex-executivo, Max tem atuado como consultor e palestrante sobre o tema carreira. De um humor ímpar, o simpático quase senhor de cabelo branco e espetado sempre usa piadinhas e brincadeiras para passar o seu recado. A receita dá certo e lê-lo ou ouvi-lo é uma experiência singular e inspiradora.

Clássicos do Mundo Corporativo (Editora Globo; 176 páginas; R$ 9,50) é uma coletânea de opiniões e comentários de Max em seu programa de rádio chamado Mundo Corporativo, transmitido diariamente pela CBN. Aproveitando o "gancho", fica aqui a sugestão de um programa rápido e bastante educativo: blog do Max na CBN.

Clássicos é um livro pequeno (em tamanho, não em páginas) e apresenta 66 artigos de no máximo 3 páginas cada um. Usando linguagem bastante coloquial e de fácil leitura, Max torna seus ensinamentos algo bastante palatável e de entendimento simples. Aprenda, por exemplo, a como lidar com seu chefe e colegas de trabalho, como se comportar em uma entrevista e o que é a "síndrome do pato".

Ler Clássicos é mais um prazer do que uma obrigação profissional. Devido ao seu formato, indico manter o livro em sua mesa de trabalho, lendo um ou dois artigos quando precisar de um pouco e inspiração ou de um intervalo revigorante.

sexta-feira, abril 24, 2009

Ser gerente é ...

É ser exigente: as pessoas acham que dá pra deixar tudo pra depois. O gerente é o responsável pelo cumprimento dos prazos.

É ser paciente: mesmo sendo inflexível na hora de cobrar, o gerente tem que saber explicar para cada pessoa o que se espera dela e fazê-la repetir o que ouviu para ter certeza que entendeu. Gerentes que dão meia explicação recebem desculpas inteiras.

É ser competente: é o modelo técnico das pessoas. Se o gerente souber menos que as pessoas, falar mais alto que elas não vai gerar respeito. Vai produzir insatisfação.

É ser producente: ele trabalha mais horas que as outras pessoas.

É ser vidente: deve perceber que algo está errado, mesmo sem ter todos os dados, e consertar a situação antes que saia do controle.

É ser coerente: se falar cada dia uma coisa, e viver desdizendo o que disse, vai ganhar desconfiança.

É ser valente: deve defender as pessoas que trabalham com ele.

É ser decente: não pode nem fomentar, nem ignorar intrigas.

É ser semente: é o que forma futuros gerentes.

É ser gente: não deve imaginar que o título de “superior hierárquico” vai torná-lo melhor que as pessoas que trabalham com ele.

Fonte: Clássicos do Mundo Corporativo, de Max Gehringer

quarta-feira, abril 22, 2009

Duvidar é preciso

Primeira semana de trabalho na empresa e recebi uma tarefa do meu superior: verificar quais departamentos ainda usavam um sistema muito antigo pois a ideia era desativá-lo. Eu, cheio de vontade de mostrar serviço, saí perguntando um a um se usavam o tal sistema. Muitos me disseram não, outros disseram sim. Coloquei tudo em um relatório todo formatado, colunas, cores, subtotais. Apresentei ao meu superior, que disse: "Eu te pedi esta informação mas já sei a resposta. Ninguém mais usa o sistema antigo. Muitos dizem usar, apenas para que não o desativemos. Eu lhe pedi para investigar quem usava e não para perguntar aos outros se usavam ou não. Aprenda uma coisa: não confie em tudo o que as pessoas lhe falam."

Fiquei um pouco assustado pois eu estava em uma empresa onde eu não poderia acreditar no que as pessoas falavam. Hoje em dia eu entendo o que ele quis me dizer. Por mais que perguntas e conversas sejam importantes, é muito prudente que nós mesmos tenhamos, por vários meios, a certeza e o convencimento de que aquela afirmação é realmente verdadeira. Uma boa dose de ceticismo não faz mal a ninguém.

Segundo uma das várias definições, CETICISMO é a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma certeza a respeito da verdade, o que implica numa condição intelectual de dúvida permanente e na admissão da incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade. O filósofo Sócrates afirmava que "não podemos aceitar um fato, ideia ou crença (somente) por ter vindo de uma "autoridade" superior". Em outras palavras, por mais confiável que alguma pessoa ou alguma afirmação pareça ser, devemos usar métodos para que possamos confirmar aquilo que está sendo dito.

No livro Think ! Por que não tomar decisões num piscar de olhos, Michael Legault nos informa, com propriedade: "Uma forma de compreender por que o ceticismo é importante para a verdade e o conhecimento é familiarizar-se mais com o método científico. (...) O primeiro passo para o método científico é a observação - e não pode ser qualquer tipo de observação, deve ser uma observação sem preconceito. (...) O passo seguinte implica fazer uma pergunta. (...) O terceiro passo é formular uma hipótese, ou uma conjectura que responderá à pergunta. (...) O quarto passo é fazer previsões para testar a hipótese. (...) O quinto e último é realizar experimentos afim de confirmar ou refutar a previsão."

No situação pela qual passei, citada anteriormente, se eu tivesse seguido o método científico, dificilmente teria dado a informação errada ao meu chefe. Eu poderia ter observado as pessoas que disseram usar o sistema e poderia ter percebido que não usavam. Poderia ter perguntado: por que não usam e falam que usam ? Tentando obter a resposta me depararia com ideias que me levariam à resposta correta: os usuários têm medo de "perder" o sistema antigo. Por fim, poderia ter feito um experimento, desativando o sistema durante alguns dias. Se ninguém reclamasse é porque realmente não usavam.

Talvez os maiores motivos para que não sejamos céticos o suficiente são o comodismo e o estresse. Comodismo porque é muito mais fácil e menos desgastante acreditar em algo de forma passiva ao invés de analisarmos a veracidade pessoalmente. Já o estresse explicaria a eterna desculpa de falta de tempo para que possamos exercitar o método científico.

Não é só na vida profissional que o ceticismo poderia nos fazer pessoas melhores. Na vida pessoal, somos bombardeados pela mídia e por opiniões de analistas e consultores. É importante que não tomemos nada como verdade absoluta, que tenhamos perguntas e questionamentos sobre os assuntos que nos são colocados. Não podemos aceitar nada com obviedade. Quem nunca recebeu um e-mail em tom alarmante dizendo que foi descoberto que a Coca-Cola causa câncer. Muitos ficam estupefatos com a informação, já a tomam como verdade e em segundos disseminam mais uma besteira para todos os amigos (ou inimigos) da sua lista de endereços.

Por outro lado, é importante também não pendermos ao ceticismo extremo. Como diz Legault em seu livro, "ceticismo ao extremo poderia levar a um tipo de pane emocional e intelectual, em que a pessoa chega a duvidar que duvida". Com o tempo e a experiência que adquirimos é possível distinguir pessoas que são confiáveis daquelas que não são. Devemos também analisar a criticidade do assunto e as consequências que uma possível informação inadequada podem causar. De qualquer forma fica a todos nós um aviso: duvidar é preciso.

quinta-feira, abril 16, 2009

Imagem, definitivamente, não é tudo

Na Inglaterra, existe um programa chamado "Britain's Got Talent" no estilo de Ídolos, exibido no Brasil. Da mesma forma que aqui, surgem os mais variados tipos de pessoas para se apresentar.

Eis que surge então Susan Boyle, com sua aparência distante dos padrões de beleza da televisão. Todos riem, inclusive os jurados. Apesar de um pouco nervosa, Susan responde às perguntas iniciais, mesmo diante de uma total desconfiança geral.

O resultado, vocês podem ver abaixo, vale a pena:

YouTube: Susan Boyle em "Britain's Got Talent"

terça-feira, abril 14, 2009

Think ! Por que não tomar decisões num piscar de olhos

Malcolm Gladwell em seu livro Blink - A Decisão Num Piscar de Olhos quer convencer à todos de que o poder da intuição é mais importante do que o pensamento crítico. Propaga a ideia estapafúrdia do "fazer mais e melhor com menos esforço". Na contramão desta teoria, surge Think ! Por que não tomar decisões num piscar de olhos, de Michael R. Legault (Editora Best Seller, 363 páginas, R$ 29,90). A obra de Legault critica de forma impiedosa as teorias de Gladwell, colocando a falta do uso do raciocínio lógico e do pensamento crítico como fatores determinantes para o declínio intelectual e criativo da sociedade atual.

Think ! é denso e exige atenção na leitura. Digamos que a forma de escrita utilizada pelo autor está mais para uma tese de doutorado do que para os básicos livros de autoajuda que inundaram o mercado nos últimos tempos. É extremamente rico em pesquisa e estatísticas, que são usados para corroborar os pontos defendidos por Legault. O livro tem como mercado alvo os Estados Unidos. Talvez esse seja o ponto mais negativo da obra: além de utilizar somente exemplos e casos americanos, insiste constantemente na tese de que os Estados Unidos são os únicos capazes de tirar o mundo do atoleiro intelectual em que se meteu e deve fazer isso o mais rápido possível para manter a hegemonia cultural e científica que ainda tem atualmente.

O mais importante que Think ! tem a oferecer é nos fazer pensar. Este é o principal objetivo do livro e creio que consiga alcança-lo com méritos. Legault discute como os meios de comunicação e os governos tentam manipular as pessoas através de divulgação excessiva de notícias e afirmações catastrofistas (aquecimento global, doenças e ameaças), do culto à subjetividade, à emoção e aos sentimentos. Com isso, cria-se uma sociedade mais deficiente e dependente das instituições, programas governamentais, advogados, terapias, superstições e dogmas. Qualquer semelhança à atuação do governo federal brasileiro não é mera coincidência. Como diria James Harvey Robinson, citado no livro: "A maior parte do nosso suposto raciocínio consiste em encontrar argumentos para continuar acreditando naquilo em que já se acredita".

Em contraposição à esse estado de letargia mental e desinteresse intelectual, Legault enfatiza e destaca a importância do uso das evidências empíricas, do raciocínio lógico e do ceticismo. Uma pessoa, ao ler ou ver uma notícia, não deve toma-la como verdade absoluta e sim analisa-la de modo a tirar suas próprias conclusões. Obviamente que este não é um exercício simples: carece de base intelectual e teórica, bem como na principal característica intrínseca ao ser humando que é PENSAR. A falta de pensamento crítico, segundo Legault, acaba gerando uniformidade ao invés de diversidade. Um povo uniforme pode ser facilmente usado como massa de manobra por políticos e governos tiranos. É necessário, o mais rápido possível, ensinar os alunos à falar, escrever, pensar criticamente e raciocinar eticamente: "Não é de surpreender que uma forma de mergulhar diretamente na capacidade do pensamento crítico é ler ou escrever críticas".

Posso dizer que a leitura de Think ! mudou alguns dos meus conceitos e me fez ter cada vez mais certeza de outros. Não concordo com tudo o que o autor afirma. Essa discordância de seus leitores, entretanto, deve deixar Legault muito feliz, visto que é justamente essa ideia de leitura crítica e inteligente que ele tenta disseminar com sua obra.

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