sexta-feira, junho 12, 2009

Tragédia do voo AF 447, gerência de requisitos e qualidade dos usuários


A revista Veja desta semana, em reportagem sobre a tragédia terrível com o Airbus da Air France, trouxe o seguinte trecho: "Nada ilustra melhor a aviação comercial do que a máxima de que a solução parcial de um problema acaba criando novos problemas. (...) O mais intrigante é que as modernas tecnologias digitais embarcadas, ao invés de mitigar os desafios colocados aos projetistas, tornaram-nos ainda mais flagrantes. Uma dessas esteve no centro de algumas tragédias: o dispositivo digital projetado para impedir que os freios aerodinâmicos do avião, em especial aqueles que invertem o fluxo de ar das turbinas, os reversos, fossem acionados em pleno voo. Melhor: eles seriam acionados automaticamente quando do pouso. Os engenheiros basearam seu dispositivo no que parecia ser algo infalível. Um leitor digital de altitude trancava os reversos mesmo que o piloto os acionasse manualmente. A inovação destinada a resolver um problema acabaria criando vários. Em 1991, um Boeing 767 da Lauda Air caiu na Tailândia depois que, sem explicação aparente, os reversos se abriram em pleno voo. A investigação mostrou que o avião perdeu altitude em uma turbulência e o computador interpretou o fenômeno como um pouso, acionando os freios. Como resolver isso sem perder a automação? Os engenheiros modificaram o dispositivo de acionamento dos reversos, de modo que os sensores informariam ao computador para abri-los apenas depois que os dois conjuntos de pneus do trem de pouso tocassem o solo. A modificação foi considerada perfeita e adotada universalmente pelos fabricantes. Mas... e há sempre um mas... dois anos depois um Airbus A320 da Lufthansa não conseguiu acionar os reversos ao pousar na pista gelada do Aeroporto de Varsóvia, matando dois dos setenta passageiros. A causa? Ventos laterais fortes fizeram com que o trem de pouso da esquerda tocasse o solo nove segundos depois do da direita. O computador, fiel a sua programação, não
acionou os reversos e impediu os pilotos de ativá-los até que todos os pneus tivessem tocado o solo. Mais uma modificação foi feita, então, no desenho do dispositivo. Agora ele apenas informa o piloto, que decide quando acionar os freios."

Para quem tabalha com o desenvolvimento de sistemas, os casos acima citados são incrivelmente familiares. Um dos maiores desafios da engenharia de software tem sido conseguir obter do usuário as suas reais necessidades. É muito mais comum do que deveria, existir retrabalho no desenvolvimento de sistemas justamente porque, ou o usuário não soube dizer o que queria ou então o analista não conseguiu entender.

Investimentos vultosos têm sido feitos na área de Gerência de Requisitos, tanto no desenvolvimento de metodologias quanto na quantidade de horas gastas nessa etapa do processo. As empresas de tecnologia já perceberam que fica muito mais caro "remendar" do que fazer certo a primeira vez.

O trecho acima transcrito cita alguns exemplos clássicos de problemas de Gerência de Requisitos. No caso da abertura automática do reverso, alguém deveria ter alertado aos desenvolvedores do sistema que uma queda abrupta de altitude não poderia ser interpretada erroneamente como pouso. Ou então, se foram avisados, pior ainda, o produto final não atendeu aos requisitos. Na tentativa de fazer o "remendo", incluíram mais um requisito ao sistema: o reverso deveria ser acionado apenas quando os dois conjuntos do trem de pouco tocassem o solo. Mais uma vez houve falha de requisitos, deixando escapar que, em alguns casos, ele deveria ser acionado, mesmo não estando com os dois conjuntos encostados no chão.

Problemas parecidos, a grande maioria menos sérios, acontecem todos os dias em várias empresas. A busca incessante por automatização de todos os processos acaba fazendo com que gerentes e analistas de requisitos tenham trabalho redobrado, pois é exigido muitas vezes que o sistema comece a tomar decisões pelos seus usuários. Estes, por sua vez, não querem ou não sabem expressar todo o seu conhecimento. Com isso, exige-se desse tipo de profissional de tecnologia conhecimento apurado não somente da parte técnica como também dos detalhes de negócio. Por outro lado, pouco exige-se do usuário em termos de capacitação técnica e de negócio. A impressão que dá é que eles estão se sentindo cada vez menos responsáveis pelo desenvolvimento e uso dos sistemas. Estamos diante de um curioso paradoxo: as empresas querem automatizar tudo porque não confiam no que seus funcionários fazem e, por outro lado, os softwares vêm tendo comportamentos ambíguos justamente por terem a
responsabilidade de tomar decisões que deveriam caber à seres humanos.

Na minha opinião muito peso tem sido colocado nas equipes de desenvolvimento de software e nos próprios sistemas. É urgente e indispensável que se invista também na cultura geral e raciocínio lógico dos usuários. Ao contrário do que muita gente pensa, o maior sonho de um desenvolver de sistema não é substituir pessoas por softwares e sim ter pessoas inteligentes usando-os.

segunda-feira, junho 08, 2009

[Livro] Frenesi Polissilábico

De uns tempos para cá testou me achando "o leitor". Depois de ler Para Ler Como um Escritor comprei Frenesi Polissilábico (Nick Hornby, Rocco; 264 páginas; R$ 33,00). Depois de ver uma indicação na revista Veja resolvi comprar esse livro de capa simpática e colorida. Hornby é um crítico literário britânico que tem uma coluna mensal na revista Believer. Nesta coluna, ele indica as obras que comprou e leu no mês e tece alguns comentários, sempre bem humorados. Frenesi traz colunas publicadas na Believer entre setembro de 2003 e junho de 2006.

Da mesma forma que comentei na resenha que fiz de Para Ler Como um Escritor, este é um livro que vai agradar mais os apaixonados pela literatura e profissionais da área. Apesar do humor divertido de Hornby, suas colunas falam apenas sobre livros, autores, literatura. Não que isso seja ruim, mas para aqueles leitores esporádicos com certeza a leitura de Frenesi se tornará entediante. Essa questão torna-se ainda mais destacada pelo fato de que várias das obras citadas e comentadas não terem tradução para o Português. Além disso, o autor usa e abusa de fatos da cultura popular britânica, o que torna muitas vezes quase impossível entender suas piadas ou ironias.

Mas Frenesi tem opiniões muito interessantes. Uma delas é a de que ninguém deve ser criticado por aquilo que está lendo. Gosta de ler Sabrina ? Gibis ? Harry Potter ? Paulo Coelho ? Não importa ... Gosto é gosto ! Além disso, obras consideradas por alguns como menos nobres podem estar sendo responsáveis por iniciar o hábito e principalmente o poder da leitura em algumas pessoas. Hornby diz "(...) E por favor, pelo amor de Deus, parem de fazer pouco caso daqueles que estão lendo e curtindo um livro (...) ninguém sabe que tipo de esforço isso representa para [este] o leitor. Pode ser o primeiro romance adulto que a pessoa esteja lendo na íntegra; pode ser o livro que finalmente revele o propósito e a alegria de ler para alguém que até então estava confuso pela atração que os livros exercem sobre os outros. E, de qualquer forma, ler por diversão é o que todos nós deveríamos fazer. (...)".

Uma parte que achei bem divertida é aquela em que o autor fala um pouco sobre as dificuldades de um pai (ou mãe) de família com filhos tem para arrumar tempo dedicado à leitura: "(...) Taí, ótima ideia: se você tiver filhos, dê à sua esposa ou a seu marido um vale-leitura no próximo Natal. Cada vale dá direito a duas horas de leitura enquanto as crianças estão acordadas. Pode parecer um presente sovina, mas os pais vão ver que na prática acaba sendo mais valioso do que um Lamborghini (...)".

De uma forma geral, Frenesi é um livro agradável. Com certeza os profissonais da literatura faram melhor uso dele do que leitores amadores como eu. Hornby não é um crítico literário acadêmico e sim um crítico muito mais próximo ao leitor normal do que vários outros. Suas opiniões nos ajudam a entender melhor a forma de se analisar uma obra e deixa nosso senso críticos mais apurado, o que é sempre muito bom.

sexta-feira, junho 05, 2009

Cultura e subcultura empresarial

De acordo com o site Comunicação Empresarial, cultura empresarial "compreende um conjunto ou sistema de significados que são compartilhados por uma determinada empresa ou entidade num tempo específico. Ela inclui valores e crenças, ritos, histórias, formas de relacionamento, tabus, tipos de gestão, de distribuição da autoridade, de exercício da liderança e uma série de outros elementos." Em outras palavras, a cultura de uma empresa é o jeito como as coisas funcionam dentro dela.

Toda empresa tem sua cultura. Pode não estar escrita ou documentada, mas ela existe e não é difícil identifica-la, principalmente conversando com funcionários que têm mais tempo de casa. Pergunte a uma destas pessoas como funciona a contratação de pessoal, o processo de desligamento, a comunicação diretoria com os funcionários, política de remuneração ...

A questão é: seria possível um líder (coordenador, gerente, diretor, etc) implantar uma cultura em seu departamento diferente daquela predominante na empresa. Imaginem uma empresa que tradicionalmente não investe em treinamento dos seus funcionários. Seria possível um gerente conseguir que esta mesma empresa invista em treinamento constante para os integrantes de sua equipe ?

A resposta é sim, é possível existir o que chamamos de subcultura empresarial, um departamento ter sua cultura própria, logicamente trazendo muitas das características da cultura principal. Surge então um segundo questionamento: isso é viável, ou seja, esse departamento conseguirá apoio da direção da empresa mesmo se comportando ou querendo se comportar de uma maneira diferente ? Depende.

Enquanto esse departamento estiver dando resultados acima da média, trabalhando com excelência e sem problemas de comportamento de seus integrantes ele terá todo apoio da direção. A verdade é que ninguém é bobo e a empresa sabe que, desde que essa equipe funcione muito bem, não há problemas em ter um tratamento diferenciado. É importante somente ressaltar que, dependendo da forma como estas pessoas e a direção tratem as difenças de cultura, podem surgir descontentamentos das outras áreas da empresa.

De qualquer forma, se por algum motivo qualquer, esta equipe passar a mostrar resultados menos expressivos, com certeza passará a ser cobrada também de forma diferenciada, podendo culminar com a eliminação da subcultura criada, muitas vezes através do desligamento daqueles que a criaram.

Podemos concluir então que devemos sempre buscar trabalhar em empresas que tenham os valores e crenças parecidos com os nossos. Não sendo possível, podemos tentar implementar algumas mudanças, mas tendo em mente que passaremos a ser mais observados, para o bem e para o mal.

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