terça-feira, setembro 01, 2009

[Conto] A empresa onde ninguém tirava férias

Aquela era uma empresa onde ninguém tirava férias. Ninguém sabia bem explicar os motivos reais, mas a verdade é que todo novo funcionário era prontamente avisado, depois de contratado, que dificilmente iria ter o seu merecido descanso anual. Não era uma posição oficial da empresa, que também não se preocupava em desmentir. Antigamente era até melhor, pagava-se hora extra, agora nem isso mais, vai tudo para o banco de horas. Muitos funcionários não se adaptavam e saíam antes de completar 12 meses. Alguns recém-contratados falavam de boca cheia "Onde já se viu isso? Lógico que vou tirar férias ...". Passado algum tempo caíam na realidade e já se acostumavam com a ideia. Por esse motivo, quando Rodolfo foi contratado e afirmou categoricamente que tiraria 30 dias de folga no ano seguinte ninguém deu importância.

Rodolfo era um contador experiente, tinha lá seus 45 anos de idade, casado, dois filhos. Nem alto nem baixo, cabeleira rala mas ainda não grisalha, chamava a atenção por seu aspecto calmo e bem-humorado. Havia sido contratado por indicação de um amigo, ciente da necessidade que a empresa tinha de uma pessoa com capacidade de liderança e com conhecimentos atualizados na área. Astrogildo, o antido chefe da Contabilidade havia se cansado depois de 20 anos de trabalho sem uma única semana de folga. Aquela figura bonachona com barrigão saliente e sempre com um cigarro à boca, sentada em sua poltrona tipo presidente de couro preto, sem dúvida deixaria saudades.

Rapidamente, o trabalho do novo funcionário mostrou resultados. Mudou os móveis de lugar, melhorou a luminosidade da sala, mandou instalar vasos de plantas e, ao contrário do antigo dono do cargo, instalou sua mesa junto aos demais funcionários, relegando à sala do gerente à um mero depósito de documentos fiscais. Organizou todas as tarefas, mudou as atribuições de cada membro de sua equipe de acordo com as características de cada um, delegou muita coisa, estabeleceu metas de produtividade e critérios de bonificação. O ambiente de trabalho no departamento mudou da água para o vinho, todos trabalhando felizes e motivados. A diretoria, reconhecendo o bom trabalho, deu mais autonomia para Rodolfo fazer novas contratações. Aumentou seu salário.

O tempo foi passando e próximo ao final do ano, Rodolfo começou a comentar com todos na empresa que já tinha alugado uma casa maravilhosa na praia para passar 20 dias em companhia da família e amigos. As reações iam de incredulidade à ironia: "Ninguém aqui tira férias, ele acha que vai tirar?", "Quem ele acha que é, mal entrou na empresa e já acha que pode tudo?", "Ele vai só ver quando falar isso pra diretoria !". Quanto mais Janeiro se aproximava, mais as fofocas aumentavam. Alheio a toda essa polêmica continuou seu trabalho junto com sua equipe, cada vez mais produtiva.

No dia em que Rodolfo havia dito que entraria de férias, uma belíssima segunda-feira de sol, todos chegaram mais cedo. Queriam esperá-lo no portão da empresa para começar a zoação. Esperaram, esperam e nada do Rodolfo. Um voluntário resolveu ir até o RH, como quem não quer nada, perguntar por Rodolfo. A resposta foi inesperada: "O Sr. Rodolfo está de férias, volta dentro de 20 dias". A notícia se espalhou como fogo no palheiro, ninguém mais trabalhava direito, a produção praticamente parou. Percebendo todo aquele tumulto e um monte de gente sem trabalhar, um dos diretores foi até o pátio, chamou a todos e pediu uma explicação:

"O que é que está acontecendo aqui hoje? Por que esse buxixo todo e esse monte de gente à toa?

Um corajoso resolveu responder:

"Alguns de nós estão aqui na empresa há anos e nunca tiramos férias. Agora, do nada, um funcionário com um ano de casa consegue tirar, isso é muito injusto !"

A resposta não poderia ser mais clara e direta:

"Nunca ninguém disse a vocês que não podiam tirar férias. Acontece que nenhum de vocês preparou alguém para os substituir. Se eu permitir que vocês se ausentem da empresa por vários dias, teremos problemas sérios para continuar as atividades normais. Já o Rodolfo trabalhou esse tempo todo montando sua equipe, delegando tarefas, de modo que mesmo que ele se ausente por 3 semanas, o pessoal que trabalha com ele conseguirá realizar o trabalho, sem nenhum transtorno".

À partir daquele dia houve uma mudança radical naquela empresa. A produtividade e a satisfação aumentaram. A mentalidade de todos também. Passaram a tirar férias, como sempre sonharam.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adorei seu blog, estou aprendendo muito e o conto do Rodolfo é muito bom! MAS fico pensando... Nesse tipo de empresa, se o chefe perceber que ele ensinou tudo e tudo funciona sem ele, quando voltar de férias, tá na rua! rsrsrs Abraços! Fernanda Dearo www.dearo.com.br

Tarcísio Mello disse...

Olá Fernanda, obrigado pela visita. Seu comentário é muito pertinente, vou postar um texto sobre isso no blog ainda hoje. Aguardo seu retorno por aqui.

Abraços !

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