quarta-feira, setembro 22, 2010

[Conto] A falta que um beijo faz

     Após ser carregada, a carreta de mais de vinte metros iniciou sua vagarosa viagem em direção ao seu destino: uma grande obra no interior do estado. Levava consigo enormes tubos de aço que seriam utilizados em um gasoduto.

     Ele estava casado há oito anos, tinha uma filha de cinco. O emprego, apesar de lhe render um salário razoável, não o motivava mais. O relacionamento com a esposa já dava sinais de esfriamento. Mesmo assim tocava a vida em frente, conformado com a situação, sentindo-se até um pouco culpado com aquilo tudo. Filho de pai funcionário público e mãe dona de casa, nasceu há trinta e dois anos naquela mesma cidade. Teve uma infância tranquila, o que combinava muito com seu jeito de ser. Desde jovem caracterizava-se por ser uma pessoa amável e do bem, evitando confusões a qualquer custo. Filho obediente e aluno mediano, nunca gerou maiores transtornos aos pais, ao contrário de seu irmão mais novo, que tinha o gênio totalmente diferente, vivendo a vida intensamente sem se preoucupar com as consequências.

     Chegou em casa por volta das dezenove horas. Aliás, esse era um dos motivos das discussões constantes com a mulher. Dedicava-se muito ao trabalho e pouco à família, dizia ela. Estava cansado e foi logo para o banho, após trocar no máximo umas cinco palavras com a filha. Para a mulher, somente um olhar e um cumprimento com a cabeça. Ainda gostava dela, sentia um carinho imenso. Mas aquela não era a vida que tinha planejado para si mesmo. Sonhara com uma vida mais requintada. Não queria chegar em casa e encontrar sua mulher vestida com uma bermuda surrada e chinelo de dedo. Sabia que ela não era a única culpada por aquela situação. Aliás, ela nem era a mais culpada. Sentia-se mal em tratá-la assim, mas de alguma maneira enxergava nisso a própria infelicidade.

     A esposa aguardava pacientemente no sofá o marido terminar o banho para lhe contar a boa nova: havia conseguido um emprego. Tudo bem que não era um emprego daqueles: assistente de manicure, meio período. Mas era um recomeço depois de ter parado de trabalhar logo que a filha nasceu. O chuveiro foi desligado, deu um tempo. Já tinha até ensaiado a maneira como falaria, destacando as vantagens de um dinheiro a mais em casa e principalmente a oportunidade dela sair de casa, ocupar a cabeça, conhecer gente nova. E nada dele aparecer. A novela terminou. Foi até o quarto e o encontrou deitado na cama, dormindo e roncando.

     Acordou bem cedo no dia seguinte, como de costume. Preparou o café e aguardou pacientemente o marido na cozinha, a fim de finalmente conversarem sobre o novo emprego. Ele entrou na cozinha, de forma atabalhoada, dizendo que estava atrasado, que naquele dia precisava chegar mais cedo. Ela então percebeu que não seria o momento adequado. Ficou quieta no seu canto, comeu um pedaço de bolo e foi até o quarto arrumar a cama. No corredor, encontrou com a filha que acabara de se levantar. Depois de alguns minutos ouviu o marido gritar da sala que já estava indo trabalhar. Ela gritou de volta, pedindo ao marido que esperasse um pouquinho, queria dar-lhe um beijo antes de sair. Guardou os travesseiros no guarda-roupa e foi até a sala. O marido já tinha saído, não esperou pelo beijo.

     O trânsito estava infernal. Ele resolveu fazer um caminho alternativo, passando pela rodovia. Ao entrar na pista dupla, visualizou à sua frente uma grande carreta transportando tubos de aço. Não deu tempo de desviar quando um dos tubos se soltou e caiu bem na sua frente. O impacto foi violento e fatal. Não deu tempo de entender que aquele beijo poderia ter salvado sua vida.

segunda-feira, setembro 13, 2010

[Livro] O Vale dos Anjos - O Torneio dos Céus, de Leandro Schulai


Resenhar "O Vale dos Anjos - O Torneio dos Céus" com certeza não é uma tarefa simples para mim. Através dos benefícios das comunicações virtuais, acabei tornando-me amigo do autor Leandro Schulai, que inclusive teve a gentileza de me enviar um exemplar autografado. Com a certeza de que Schulai não esperaria uma postura diferente, tentarei ser o mais honesto e imparcial possível.

De início é importante destacar que o gênero de literatura fantástica nunca me atraiu muito. Decidi ler "O Vale dos Anjos" devido à curiosidade sobre uma obra que praticamene vi nascer e também ao respeito que tenho pelo trabalho de novos escritores, em especial o amigo Leandro. Para minha surpresa e satisfação, depois de algumas páginas senti-me envolvido por uma história extremamente criativa. Tive sensação semelhante, guardadas às devidas proporções, na leitura de "Crime e Castigo". Não obviamente pela história ou estilo literário e sim sobre o espanto em ver como uma pessoa é capaz de imaginar tanta coisa e conseguir narrá-las sem perder a coerência e consistência.

A história trata da vida pós-morte do jovem grego Dimítris, que deixou a sua amada Mariah após um trágico acidente automobilístico. Schulai descreve uma ideia de Paraíso no mínimo interessante e curiosa, culminando com o torneio que dá nome ao livro.

Apesar de enxergar várias qualidades na narrativa do autor, acredito que alguns pontos possam ser melhorados. Em certas partes do texto, pode-se notar frases que poderiam ser omitidas sem prejuízo do entendimento e que parecem estar presentes desnecessariamente. Da mesma forma, algumas frases parecem simplistas demais, destoando um pouco do que se espera de uma obra literária. Por fim, sinceramente não fiquei satisfeito com o final. Esperava algo mais esclarecedor ou empolgante depois de ter lido mais de quatrocentas páginas, que acabaram se mostrando mais interessantes no desenvolvimento da história do que em seu "grand finale".

De qualquer forma fica claro o talento e o futuro promissor do escritor Schulai. Ainda mais por ter escolhido um gênero que tem encontrado público fiel e crescente, principalmente entre os mais jovens. Não tenho dúvidas que os próximos livros, que dão sequência à saga do grego Dimítris, terão sucesso.

segunda-feira, setembro 06, 2010

[Conto] Seis horas da manhã

          Nem todo casamento arranjado está fadado ao insucesso. Ela, na flor de seus dezoito anos, foi praticamente obrigada a se casar com o filho daquele capataz que trabalhava com seu pai, naquela imensa fazenda de café. Já o conhecia desde criança, cresceram juntos. Definitivamente ele não despertava nela nada mais do que umas simples amizade. Mas não havia outra opção. Saía da fazenda somente aos domingos para ir à missa com a família. Não conhecia mais ninguém. Seu pai e sua mãe ficaram radiantes quando ela aceitou o pedido de casamento.

          Perdeu a virgindade na noite de núpcias. Ele se mostrou todo carinhoso e respeitador. Para ele não era a primeira vez. Ela gostou, apesar de ter ficado um pouco assustada. Com o passar do tempo ele foi conquistando sua admiração pelo modo delicado e atencioso. Era uma mulher feliz, ainda mais porque seu marido gostava de tê-la toda noite. Ela havia descoberto o prazer da vida a dois, adorava! Apesar de gostoso, a relação íntima era metódica ao ponto de ser executada sempre no mesmo horário, às seis horas da manhã. Ele acordava pouco antes, tirava a roupa dela, deitava por cima e pronto. Dia após dia, a rotina se repetia, o galo cantava, o sol começando a dar o ar da graça e os dois lá, sempre ele por cima, ela por baixo, ela nua, ele com a roupa de bairro arriada, às seis horas da manhã.

          Sua pouca experiência com outros homens a deixava intrigada. Gostava do jeito que o marido fazia, mas será que era só aquilo mesmo? Sempre que ela ameaçava pedir algo diferente, ele desconversava. Sentia-se um pouco culpada, afinal era bem tratada, seu marido sempre a procurava. Resignada, buscava meios de parar de pensar nisso e seguir a vida adiante.

          Um dia seu marido saiu em viagem para buscar uma boiada em outro estado. Ela ficou sozinha, mas não havia perigo, sua casa ficava há apenas alguns poucos quilômetros de seus pais, na mesma fazenda. Ocupava-se com os afazeres domésticos, sempre vestida com aquele vestidinho florido, curto e solto, que mostrava bem suas belas curvas. O cabelo preto e liso, escorria até quase a cintura. Tinha os seios pequenos, mas empinados. O traseiro por sua vez era carnudo e largo.

          Estava escurecendo, escutou palmas na frente de casa. Foi ver quem era e se surpreendeu ao ver seu primo. Ele era poucos anos mais velho que ela, havia morado na fazenda até uns dez anos de idade, depois se mudou junto com a família para o norte. Não tinha como não reconhecer aquele rosto que ainda parecia de menino. Mas o corpo já era de homem. Estava de passagem pela região e resolveu visitar os tios, que deram a notícia de que a bela prima morena havia se casado. Ao saber que o marido não estava em casa, preferiu não entrar, mas a prima insistiu tanto que foi até a cozinha tomar um café e comer um pedaço de bolo de fubá. Apesar do respeito, o primo encantou-se com aquele belo corpo. Quando ela se levantou para lavar a xícara, reparou nas coxas grossas. Excitou-se, procurou esconder, mas ela ao virar percebeu. O sangue dos dois ferveu, não falaram mais nada, ela já se aproximou. Beijaram-se, ele a abraçou, puxou as alças do vestido, que caiu no chão. Ela tremia, finalmente teria uma emoção diferente, proibida. Fez tudo que tinha vontade e coisas que nem imaginava o quanto era bom. Sentia-se leve, realizada.

          Nessa hora ela acordou assustada. O relógio marcava seis horas. Estava sozinha na cama, com o corpo quente e suado e a respiração ofegante.

sexta-feira, setembro 03, 2010

[Conto] O barulho da porta

          Aeroporto lotado. Aquelas viagens vinham lhe cansando mais do que o de costume. Sorte que sua competência havia permitido que o trabalho fosse finalizado em menos tempo, proporcionando a situação inédita de voltar para casa na sexta pela manhã. Preferiu não avisar sua esposa, com o objetivo de fazer uma surpresa. Após seis meses de casamento continuavam totalmente apaixonados um pelo outro. Os dias fora de casa fizeram aumentar ainda mais a vontade de estar com ela.

          O táxi deixou-lhe na porta do prédio. Subiu, abriu a porta lentamente. Não havia ninguém em casa. Foi até o quarto, colocou a mala em cima da cama e começou a ajeitar tudo. Nesse momento ouviu o barulho da porta. Moveu-se lentamente até o corredor. Viu primeiro a imagem de um homem desconhecido. Ele já estava sem camisa, mostrando suas costas largas e a pele bronzeada. Ficou paralisado. Foi quando viu aquele mesmo homem levantando o vestidinho branco dela, deixando metade daquele belo corpo nu à mostra. Começaram então a se beijar loucamente, a se encostarem, a se pegarem de forma intensa.

          Aquilo estava deixando-o confuso. O correto seria acabar com aquela palhaçada logo, onde já se viu!? Dentro da sua própria casa. Quem ela achava que era? Percebeu, entretanto, que estava excitado com a situação. Continuou no corredor, meio escondido, sem tirar o olho dos dois. Queria ver até onde teriam coragem de chegar. Ainda observando à espreita, viu os dois finalmente consumarem o ato final. Com medo de ser visto, retornou ao quarto. Resolveu voltar. Atravessou o corredor rapidamente. Ouviu novamente o barulho da porta. Escondeu-se. Era sua mulher chegando da academia. Ainda bem que a empregada e seu namoradinho já haviam terminado tudo e não estavam mais na sala.

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