terça-feira, setembro 29, 2009

[Conto] O profissional, o marido, o pai

Roberto era um homem de sucesso. Inteligente, criativo, dedicado, daqueles que literalmente vestia a camisa da empresa. Foi admitido em um programa de trainees, há 8 anos. Desde então vinha se destacando de forma diferenciada, alcançando o cargo de diretor de marketing em pouquíssimo tempo. Boa praça, de estilo pujante e hiperativo, dava-se bem com todos na empresa. Era querido pelos diretores e idolatrado pelos subalternos. Totalmente sociável, falava muito bem em público, o que lhe garantia visibilidade e prestígio por onde quer que passasse, desde o balcão do cafezinho até importantes apresentações para mais de 300 pessoas. Não havia dúvidas de que estava sendo preparado para ser o novo presidente. Casado há 5 anos e pai de um lindo menino de 3, Roberto não conseguia repetir em casa o sucesso obtido na empresa.

Logo que se casaram as reclamações tiveram início. "Você mal fica em casa, todo dia chega tarde e sai cedo!", "Não me dá atenção, só pensa na empresa!", "Acha seus clientes mais importantes do que eu!". Roberto sempre achou que ela estava errada, afinal de contas oferecia conforto, luxo, tudo o que uma mulher poderia querer e imaginar. Moravam em uma casa fantástica, dirigiam carros de luxos, viajavam sempre. O que mais uma mulher poderia querer de um marido? Ele precisava se dedicar à empresa, ao trabalho, pois era tudo isso que lhes proporcionavam essa vida. Se não se dedicasse, nada daquilo seria possível. Além disso, quando se conheceram, sua vida já tinha esse ritmo, ela já sabia que seria assim. Após a chegada do bebê a situação ficou ainda pior. Mesmo com o batalhão de enfermeiras e babás contratadas, ela sentia cada vez mais a falta de um apoio emocional, de ter com quem conversar. Roberto praticamente só via o seu filho aos finais de semana. Chegava quando ele já estava dormindo, saía antes de ter acordado. Na sua cabeça estava apenas trabalhando para garantir o melhor futuro para sua família. Começaram a discutir com mais frequência, ela dizendo que não aguentava mais aquela sensação de abandono. Ele retrucava que ela era mimada e que tinha de agradecer à Deus por ter um marido trabalhador e que não deixava faltar nada em casa. No dia em que foi promovido, comemorou com os colegas até tarde. No dia da apresentação do teatrinho do seu filho na escola, ele estava há quilômetros de distância.

Os negócios começaram a piorar. A recente crise econômica estava afetando de forma grave o mercado em que a empresa atuava. O alto endividamento, fruto da política agressiva de aquisição de concorrentes, deixara a situação incontornável. Reuniões eram seguidas de outras reuniões, cada vez mais longas, mais tensas. Buscavam uma solução que não existia. Roberto cada vez mais ausente de casa. Em poucos meses surgiu uma proposta de compra de uma multinacional chinesa. Não havia outra saída. Proposta aceita, tentaram tranquilizar a todos de não haveria muitas mudanças nos cargos do alto escalão. Roberto, confiante como sempre, tinha certeza que poderia contribuir para essa nova fase da empresa. Sua competência era reconhecida por todos. Toda aquela situação dramática não estava nem um pouco relacionada com sua atuação direta, que como sempre, havia sido impecável. Os chineses assumiram. Tinham uma política agressiva de imposição de sua cultura empresarial. A tensão e a pressão nunca tinham atingido aquele nível. Roberto, mesmo sob protesto de sua mulher, aceitou uma transferência para outro estado. Preferiu passar os primeiros meses morando sozinho, assim teria mais tempo para se dedicar e se adaptar à nova situação. Visitava sua casa apenas nos finais de semana. Viajou à Pequim várias vezes, ficando até 15, 20 dias no exterior. Seu setor foi desmembrado, perdeu poder. Propuseram-lhe uma redução do bônus. Foi obrigado a aceitar. Mais alguns meses e Roberto foi demitido. Aquela decisão foi um choque brutal em sua vida. Nunca havia experimentado aquela sensação de abandono, de fracasso, de falta de importância. Sentiu-se totalmente desamparado. Na negociação de seu desligamento, recebeu um bom dinheiro e exigiram que ele se mantivesse fora do mercado por seis meses. Só conhecia ver uma coisa boa naquilo tudo: poderia finalmente passar mais tempo em casa, conversar com sua mulher, brincar com seu filho. Eles, com certeza, iriam ficar felizes.

Preferiu não ligar para casa contando a novidade. Queria ganhar tempo, tentar não passar à sua mulher aquela sensação de fragilidade que estava sentindo. Fez os acertos necessários com a empresa, pegou o voo e retornou para casa. Já no aeroporto sentia-se melhor, de certa forma havia tirado um peso das costas. Sua mulher não iria reclamar mais, seu filho finalmente teria um pai. Chegando em casa, ávido por abraçá-los, encontrou apenas um bilhete em cima da mesa:

"Aguardei vários dias por uma ligação sua. Tentei entrar em contato, mas sempre caía em sua caixa postal. Você não retornou, deveria estar muito ocupado. Conversei muito com meus pais ultimamente e resolveram me apoiar em uma decisão muito difícil, mas necessária. Concluí que nossa história e nosso amor chegaram ao fim. Não lhe culpo por tudo, mas me sentia infeliz e carente há muito tempo. Quando chegar me ligue para que possamos dar início às formalidades."

Ele nunca havia se sentido tão abandonado, fracassado e desamparado.

2 comentários:

cleire disse...

Fui em uma palestra ontem do Augusto Cury e ele falou algumas verdades que mostram bem a moral desse conto. Felicidade e curtir a vida não é fazer do muito pouco, mas é fazer do pouco muito. Muitas vezes achamos que trabalhar desenfreadamente , ter o melhor carro, a melhor casa é importante, o mais importante são as pessoas. A propaganda do Master Card também... Fraldas R$35,00 reais, Carrinho R$800,00 , ver seu filho dando o primeiro passo!! não tem preço!!
Temos que ficar atentos a isso tudo porque as vezes não é só trabalho que nós impede de ver isso acontecer...

Cleire

Tarcísio Mello disse...

Obrigado pelo comentário, Cleire. A ideia que eu quis passar ao escrever esse conto é exatamente esta: não podemos abdicar de nossos direitos e deveres como pessoa, como pai, marido por causa da profissão. A felicidade completa vem da combinação de felicidades menores: profissional e pessoal. Eu, particularmente, não consigo ser feliz de maneira verdadeira se algo vai mal com a família e amigos. Além disso, as pessoas não são máquinas. Não podemos desligá-las durante um período da vida e querer que elas voltem a funcionar ou que funcionem quando quisermos.

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