No final de 2009 eu gostaria de ter postado aqui os livros que li no ano mas acabei me esquecendo. Dessa forma, postarei abaixo junto com os lidos em 2010.
[2009]
1) O Caçador de Pipas, Khaled Hosseini
2) A Cidade do Sol, Khaled Hosseini
3) Think!, MICHAEL R LEGAULT
4) Clássicos do Mundo Corporativo, Max Gehringer
5) Para Ler como um Escritor, Francine Prose
6) Frenesi Polissilábico, Nick Hornby
7) Execução, Larry Bossidy, Ram Charan
8) Os 100 Melhores Contos Brasileiros, Vários
9) Um Conto de Natal, Charles Dickens
10) O Mercador de Veneza, William Shakespeare
11) A Dama do Cachorrinho, Anton Tchekhov
12) Espiões, Michael Frayn
13) A Sombra que me Seguia, Adriane Salomão
14) O Líder criador de Líderes, Ram Charan
15) Cenas da Vida na Aldeia, Amos Oz
16) Leite Derramado, Chico Buarque
17) O Andar do Bêbado, Leonard Mlodinow
[2010]
1) O Símbolo Perdido, Dan Brown
2) Se eu fechar os olhos agora, Edney Silvestre
3) Jornal Nacional - Modo de Fazer, William Bonner
4) Feitiço de Amor e outros contos, Ludwig Tieck
5) Crime e Castigo, Fiódor Dostoiévski
6) Uma breve história do mundo, Geoffrey Blainey
7) Metamorfose, Franz Kafka
8) O Vale dos Anjos - O Torneio dos Céus, Leandro Schulai
9) O Assassinato e outras histórias, Anton Tchekhov
10) Mundo de Avalon, Vincent Law
Link para minha "estante" no Skoob.
quinta-feira, dezembro 30, 2010
Livros lidos [2009 - 2010]
Marcadores:
Livros Lidos 2009 2010
segunda-feira, dezembro 27, 2010
[Livro] Mundo de Avalon, de Vincent Law
Fazer uma resenha de um livro não é tarefa das mais fáceis. Quando o autor é alguém que você respeita bastante, fica ainda mais difícil. Eis minha missão ...
Num gesto de gentileza ímpar, Vincent entrou em contato comigo oferecendo uma cópia autograda de sua obra, sem custo algum. Logicamente que aceitei, sentindo-me honrado e logo que pude iniciei a leitura.
Nunca escondi que Literatura Fantástica não é um dos meus gêneros preferidos. Mas como bom leitor que se preze (ou que queira se tornar um bom leitor) me permiti conhecer um pouco mais sobre o assunto. Mas no caso de "Mundo de Avalon", essa falta de sintonia revelou-se impactante.
Vincent, demonstrando uma criatividade incrível, criou o seu mundo, povoando-o com personagens, poderes, impérios, seres sobre-humanos. Além disso, utilizou alguns nomes bastante complexos e acredito inéditos para identificá-los. Isso torna a leitura bastante difícil e confusa em algumas partes, em especial em seus primeiros capítulos.
O autor usa e abusa de diálogos. O uso excessivo dessa técnica deixa o texto pobre e sem ritmo. Em especial, em "Mundo de Avalon", os diálogos muitas vezes se mostram realmente carentes de uma riqueza literária maior. O uso constante dos "Hum?" e "Hã?" exemplifica bem.
Outro ponto a ser destacado é a importância dada à descrição minuciosa dos personagens e ambientes. O uso excessivo de adjetivos torna o texto rebuscado sem necessidade e deixa o leitor com aquela velha sensação de "enchimento de linguiça".
Definitivamente "Mundo de Avalon" não é um "vira páginas". Seu enredo não empolga. A utilização de capítulos curtos, que geralmente prende o leitor, não funciona neste caso, talvez pela quantidade de frases, pensamentos e filosofias colocadas entre eles.
O objetivo do autor ao escrever a obra (que na verdade é a primeira de uma série) talvez tenha sido o de inovar na linguagem e na estrutura de seu texto. Pode ser que esteja um pouco a frente do seu tempo (ou do meu tempo como leitor). Apesar de não ter agradado tanto, confesso uma certa curiosidade em ver como Vincent dará prosseguimento à sua história.
Marcadores:
Mundo de Avalon Vincent Law Resenha
sexta-feira, novembro 19, 2010
Moleskine
Hoje em dia, com o advento das novas tecnologias, as pessoas pouco escrevem manualmente. Usam o celular, o notebook, o netbook, o iPad ... Eu entretanto, apesar de trabalhar com tecnologia, ainda sou meio nostálgico em relação a isso; gosto de escrever em papel minhas anotações, lembretes, tarefas e ideias. Só que diante de concorrentes tão modernos, o ato de escrever manualmente em papel precisa de um charme, de um atrativo, de algo que dê prazer. É para isso que existem os Moleskines e similares.
Moleskine é uma espécie de caderno de anotações com capa dura, elástico para fechar e uma fita de cetim usada como marcador de páginas. A história do Moleskine original remonta o século XIX, quando era fabricado de forma artesanal principalmente na Itália. Em 1996 a marca Moleskine foi finalmente registrada e em 2006 o fundo de investimentos francês Société Générale a adquiriu.
Atualmente existem diversos modelos de Moleskine: grandes, pequenos, cores variadas, estampados, com pauta, sem paula, abertura lateral, abertura na parte inferior, guias turísticos, etc. Sugiro que visitem o site da Moleskine (em inglês), realmente vale a pena.
Até bem pouco tempo atrás para nós brasileiros adquirirmos um Moleskine original precisávamos comprar no exterior ou importar. Hoje em dia já é possível encontrá-los na FNAC e na Livraria Cultura. Os preços não são muito convidativos, mas a qualidade e o charme realmente valem a pena. Uma outra opção é comprar diretamente dos EUA através do site da Amazon (o frete não é barato e o tempo de entrega é grande, mas mesmo assim vale a pena financeiramente).
Existem também réplicas do famoso bloco de anotações fabricadas por empresas brasileiras como a Cícero Papelaria, Atelier Machado e Papeterie Chic.
O último modelo de Moleskine que me chamou a atenção faz parte de uma coleção chamada Passions, em especial a versão Book Journal , indicada para os amantes da leitura e da Literatura, onde podemos fazer anotações e comentários sobre os livros que lemos, tornando o hábito da leitura ainda mais agradável e enriquecedor.
Moleskine é uma espécie de caderno de anotações com capa dura, elástico para fechar e uma fita de cetim usada como marcador de páginas. A história do Moleskine original remonta o século XIX, quando era fabricado de forma artesanal principalmente na Itália. Em 1996 a marca Moleskine foi finalmente registrada e em 2006 o fundo de investimentos francês Société Générale a adquiriu.
Atualmente existem diversos modelos de Moleskine: grandes, pequenos, cores variadas, estampados, com pauta, sem paula, abertura lateral, abertura na parte inferior, guias turísticos, etc. Sugiro que visitem o site da Moleskine (em inglês), realmente vale a pena.
Até bem pouco tempo atrás para nós brasileiros adquirirmos um Moleskine original precisávamos comprar no exterior ou importar. Hoje em dia já é possível encontrá-los na FNAC e na Livraria Cultura. Os preços não são muito convidativos, mas a qualidade e o charme realmente valem a pena. Uma outra opção é comprar diretamente dos EUA através do site da Amazon (o frete não é barato e o tempo de entrega é grande, mas mesmo assim vale a pena financeiramente).
Existem também réplicas do famoso bloco de anotações fabricadas por empresas brasileiras como a Cícero Papelaria, Atelier Machado e Papeterie Chic.
O último modelo de Moleskine que me chamou a atenção faz parte de uma coleção chamada Passions, em especial a versão Book Journal , indicada para os amantes da leitura e da Literatura, onde podemos fazer anotações e comentários sobre os livros que lemos, tornando o hábito da leitura ainda mais agradável e enriquecedor.
segunda-feira, novembro 08, 2010
[Conto] A mulher perfeita
Ele estava no auge da carreira, trinta e cinco anos, bom salário, morando sozinho, sem dever satisfação a ninguém. Solteiro sim, sozinho nunca. A combinação formada pela boa aparência, roupas caras e carro do ano atraía belas mulheres. Preferia não manter nenhum relacionamento sério ou duradouro. Ouvia constantemente as reclamações dos amigos casados ou em relacionamento estáveis: a mulher não deixa fazer isso, não deixa aquilo, reclama de tudo, só pensar em gastar dinheiro. Ele ria daquilo tudo, afinal não fazia parte do seu cotidiano.
Tudo mudou quando a conheceu em um site da internet. Pele morena, cabelos negros, olhos verdes. Apesar de viver uma felicidade plena, entendeu que a companhia dela em casa lhe faria bem. Sempre de cara boa, sempre em casa esperando-o voltar do trabalho, qualquer que fosse o horário. Não fazia escândalo quando ele resolvia sair sozinho com os amigos e amigas. Não exigia nenhum tipo de fidelidade. E quando ele não encontrava nada interessante nas baladas, lá estava ela pronta para satisfazer seus instintos mais primitivos. Ela era totalmente diferente das esposas e namoradas dos seus amigos. Quem disse que não existe mulher perfeita? Ele havia encontrado uma.
Mas o tempo cuidou de minar o relacionamento entre os dois. Ele já não dava mais atenção a ela. Dormia fora de casa, deixando-a sozinha no apartamento. Chegava em casa e passava direto por onde ela estava, sem trocar uma única palavra. E ela lá, passiva, sem reclamar de nada, com a mesma carinha de sempre.
Até que um dia ela não aguentou mais e estourou ...
A única reação que ele teve foi a de entrar novamente naquele site de produtos eróticos e comprar uma nova boneca inflável. Só que desta vez loira de olhos azuis, já tinha enjoado da morena de cabelos negros.
Tudo mudou quando a conheceu em um site da internet. Pele morena, cabelos negros, olhos verdes. Apesar de viver uma felicidade plena, entendeu que a companhia dela em casa lhe faria bem. Sempre de cara boa, sempre em casa esperando-o voltar do trabalho, qualquer que fosse o horário. Não fazia escândalo quando ele resolvia sair sozinho com os amigos e amigas. Não exigia nenhum tipo de fidelidade. E quando ele não encontrava nada interessante nas baladas, lá estava ela pronta para satisfazer seus instintos mais primitivos. Ela era totalmente diferente das esposas e namoradas dos seus amigos. Quem disse que não existe mulher perfeita? Ele havia encontrado uma.
Mas o tempo cuidou de minar o relacionamento entre os dois. Ele já não dava mais atenção a ela. Dormia fora de casa, deixando-a sozinha no apartamento. Chegava em casa e passava direto por onde ela estava, sem trocar uma única palavra. E ela lá, passiva, sem reclamar de nada, com a mesma carinha de sempre.
Até que um dia ela não aguentou mais e estourou ...
A única reação que ele teve foi a de entrar novamente naquele site de produtos eróticos e comprar uma nova boneca inflável. Só que desta vez loira de olhos azuis, já tinha enjoado da morena de cabelos negros.
Marcadores:
Conto A mulher perfeita Tarcísio Manzan de Mello
quarta-feira, setembro 22, 2010
[Conto] A falta que um beijo faz
Após ser carregada, a carreta de mais de vinte metros iniciou sua vagarosa viagem em direção ao seu destino: uma grande obra no interior do estado. Levava consigo enormes tubos de aço que seriam utilizados em um gasoduto.
Ele estava casado há oito anos, tinha uma filha de cinco. O emprego, apesar de lhe render um salário razoável, não o motivava mais. O relacionamento com a esposa já dava sinais de esfriamento. Mesmo assim tocava a vida em frente, conformado com a situação, sentindo-se até um pouco culpado com aquilo tudo. Filho de pai funcionário público e mãe dona de casa, nasceu há trinta e dois anos naquela mesma cidade. Teve uma infância tranquila, o que combinava muito com seu jeito de ser. Desde jovem caracterizava-se por ser uma pessoa amável e do bem, evitando confusões a qualquer custo. Filho obediente e aluno mediano, nunca gerou maiores transtornos aos pais, ao contrário de seu irmão mais novo, que tinha o gênio totalmente diferente, vivendo a vida intensamente sem se preoucupar com as consequências.
Chegou em casa por volta das dezenove horas. Aliás, esse era um dos motivos das discussões constantes com a mulher. Dedicava-se muito ao trabalho e pouco à família, dizia ela. Estava cansado e foi logo para o banho, após trocar no máximo umas cinco palavras com a filha. Para a mulher, somente um olhar e um cumprimento com a cabeça. Ainda gostava dela, sentia um carinho imenso. Mas aquela não era a vida que tinha planejado para si mesmo. Sonhara com uma vida mais requintada. Não queria chegar em casa e encontrar sua mulher vestida com uma bermuda surrada e chinelo de dedo. Sabia que ela não era a única culpada por aquela situação. Aliás, ela nem era a mais culpada. Sentia-se mal em tratá-la assim, mas de alguma maneira enxergava nisso a própria infelicidade.
A esposa aguardava pacientemente no sofá o marido terminar o banho para lhe contar a boa nova: havia conseguido um emprego. Tudo bem que não era um emprego daqueles: assistente de manicure, meio período. Mas era um recomeço depois de ter parado de trabalhar logo que a filha nasceu. O chuveiro foi desligado, deu um tempo. Já tinha até ensaiado a maneira como falaria, destacando as vantagens de um dinheiro a mais em casa e principalmente a oportunidade dela sair de casa, ocupar a cabeça, conhecer gente nova. E nada dele aparecer. A novela terminou. Foi até o quarto e o encontrou deitado na cama, dormindo e roncando.
Acordou bem cedo no dia seguinte, como de costume. Preparou o café e aguardou pacientemente o marido na cozinha, a fim de finalmente conversarem sobre o novo emprego. Ele entrou na cozinha, de forma atabalhoada, dizendo que estava atrasado, que naquele dia precisava chegar mais cedo. Ela então percebeu que não seria o momento adequado. Ficou quieta no seu canto, comeu um pedaço de bolo e foi até o quarto arrumar a cama. No corredor, encontrou com a filha que acabara de se levantar. Depois de alguns minutos ouviu o marido gritar da sala que já estava indo trabalhar. Ela gritou de volta, pedindo ao marido que esperasse um pouquinho, queria dar-lhe um beijo antes de sair. Guardou os travesseiros no guarda-roupa e foi até a sala. O marido já tinha saído, não esperou pelo beijo.
O trânsito estava infernal. Ele resolveu fazer um caminho alternativo, passando pela rodovia. Ao entrar na pista dupla, visualizou à sua frente uma grande carreta transportando tubos de aço. Não deu tempo de desviar quando um dos tubos se soltou e caiu bem na sua frente. O impacto foi violento e fatal. Não deu tempo de entender que aquele beijo poderia ter salvado sua vida.
Ele estava casado há oito anos, tinha uma filha de cinco. O emprego, apesar de lhe render um salário razoável, não o motivava mais. O relacionamento com a esposa já dava sinais de esfriamento. Mesmo assim tocava a vida em frente, conformado com a situação, sentindo-se até um pouco culpado com aquilo tudo. Filho de pai funcionário público e mãe dona de casa, nasceu há trinta e dois anos naquela mesma cidade. Teve uma infância tranquila, o que combinava muito com seu jeito de ser. Desde jovem caracterizava-se por ser uma pessoa amável e do bem, evitando confusões a qualquer custo. Filho obediente e aluno mediano, nunca gerou maiores transtornos aos pais, ao contrário de seu irmão mais novo, que tinha o gênio totalmente diferente, vivendo a vida intensamente sem se preoucupar com as consequências.
Chegou em casa por volta das dezenove horas. Aliás, esse era um dos motivos das discussões constantes com a mulher. Dedicava-se muito ao trabalho e pouco à família, dizia ela. Estava cansado e foi logo para o banho, após trocar no máximo umas cinco palavras com a filha. Para a mulher, somente um olhar e um cumprimento com a cabeça. Ainda gostava dela, sentia um carinho imenso. Mas aquela não era a vida que tinha planejado para si mesmo. Sonhara com uma vida mais requintada. Não queria chegar em casa e encontrar sua mulher vestida com uma bermuda surrada e chinelo de dedo. Sabia que ela não era a única culpada por aquela situação. Aliás, ela nem era a mais culpada. Sentia-se mal em tratá-la assim, mas de alguma maneira enxergava nisso a própria infelicidade.
A esposa aguardava pacientemente no sofá o marido terminar o banho para lhe contar a boa nova: havia conseguido um emprego. Tudo bem que não era um emprego daqueles: assistente de manicure, meio período. Mas era um recomeço depois de ter parado de trabalhar logo que a filha nasceu. O chuveiro foi desligado, deu um tempo. Já tinha até ensaiado a maneira como falaria, destacando as vantagens de um dinheiro a mais em casa e principalmente a oportunidade dela sair de casa, ocupar a cabeça, conhecer gente nova. E nada dele aparecer. A novela terminou. Foi até o quarto e o encontrou deitado na cama, dormindo e roncando.
Acordou bem cedo no dia seguinte, como de costume. Preparou o café e aguardou pacientemente o marido na cozinha, a fim de finalmente conversarem sobre o novo emprego. Ele entrou na cozinha, de forma atabalhoada, dizendo que estava atrasado, que naquele dia precisava chegar mais cedo. Ela então percebeu que não seria o momento adequado. Ficou quieta no seu canto, comeu um pedaço de bolo e foi até o quarto arrumar a cama. No corredor, encontrou com a filha que acabara de se levantar. Depois de alguns minutos ouviu o marido gritar da sala que já estava indo trabalhar. Ela gritou de volta, pedindo ao marido que esperasse um pouquinho, queria dar-lhe um beijo antes de sair. Guardou os travesseiros no guarda-roupa e foi até a sala. O marido já tinha saído, não esperou pelo beijo.
O trânsito estava infernal. Ele resolveu fazer um caminho alternativo, passando pela rodovia. Ao entrar na pista dupla, visualizou à sua frente uma grande carreta transportando tubos de aço. Não deu tempo de desviar quando um dos tubos se soltou e caiu bem na sua frente. O impacto foi violento e fatal. Não deu tempo de entender que aquele beijo poderia ter salvado sua vida.
Marcadores:
Conto A falta que um beijo faz Tarcísio Mello
segunda-feira, setembro 13, 2010
[Livro] O Vale dos Anjos - O Torneio dos Céus, de Leandro Schulai

Resenhar "O Vale dos Anjos - O Torneio dos Céus" com certeza não é uma tarefa simples para mim. Através dos benefícios das comunicações virtuais, acabei tornando-me amigo do autor Leandro Schulai, que inclusive teve a gentileza de me enviar um exemplar autografado. Com a certeza de que Schulai não esperaria uma postura diferente, tentarei ser o mais honesto e imparcial possível.
De início é importante destacar que o gênero de literatura fantástica nunca me atraiu muito. Decidi ler "O Vale dos Anjos" devido à curiosidade sobre uma obra que praticamene vi nascer e também ao respeito que tenho pelo trabalho de novos escritores, em especial o amigo Leandro. Para minha surpresa e satisfação, depois de algumas páginas senti-me envolvido por uma história extremamente criativa. Tive sensação semelhante, guardadas às devidas proporções, na leitura de "Crime e Castigo". Não obviamente pela história ou estilo literário e sim sobre o espanto em ver como uma pessoa é capaz de imaginar tanta coisa e conseguir narrá-las sem perder a coerência e consistência.
A história trata da vida pós-morte do jovem grego Dimítris, que deixou a sua amada Mariah após um trágico acidente automobilístico. Schulai descreve uma ideia de Paraíso no mínimo interessante e curiosa, culminando com o torneio que dá nome ao livro.
Apesar de enxergar várias qualidades na narrativa do autor, acredito que alguns pontos possam ser melhorados. Em certas partes do texto, pode-se notar frases que poderiam ser omitidas sem prejuízo do entendimento e que parecem estar presentes desnecessariamente. Da mesma forma, algumas frases parecem simplistas demais, destoando um pouco do que se espera de uma obra literária. Por fim, sinceramente não fiquei satisfeito com o final. Esperava algo mais esclarecedor ou empolgante depois de ter lido mais de quatrocentas páginas, que acabaram se mostrando mais interessantes no desenvolvimento da história do que em seu "grand finale".
De qualquer forma fica claro o talento e o futuro promissor do escritor Schulai. Ainda mais por ter escolhido um gênero que tem encontrado público fiel e crescente, principalmente entre os mais jovens. Não tenho dúvidas que os próximos livros, que dão sequência à saga do grego Dimítris, terão sucesso.
segunda-feira, setembro 06, 2010
[Conto] Seis horas da manhã
Nem todo casamento arranjado está fadado ao insucesso. Ela, na flor de seus dezoito anos, foi praticamente obrigada a se casar com o filho daquele capataz que trabalhava com seu pai, naquela imensa fazenda de café. Já o conhecia desde criança, cresceram juntos. Definitivamente ele não despertava nela nada mais do que umas simples amizade. Mas não havia outra opção. Saía da fazenda somente aos domingos para ir à missa com a família. Não conhecia mais ninguém. Seu pai e sua mãe ficaram radiantes quando ela aceitou o pedido de casamento.
Perdeu a virgindade na noite de núpcias. Ele se mostrou todo carinhoso e respeitador. Para ele não era a primeira vez. Ela gostou, apesar de ter ficado um pouco assustada. Com o passar do tempo ele foi conquistando sua admiração pelo modo delicado e atencioso. Era uma mulher feliz, ainda mais porque seu marido gostava de tê-la toda noite. Ela havia descoberto o prazer da vida a dois, adorava! Apesar de gostoso, a relação íntima era metódica ao ponto de ser executada sempre no mesmo horário, às seis horas da manhã. Ele acordava pouco antes, tirava a roupa dela, deitava por cima e pronto. Dia após dia, a rotina se repetia, o galo cantava, o sol começando a dar o ar da graça e os dois lá, sempre ele por cima, ela por baixo, ela nua, ele com a roupa de bairro arriada, às seis horas da manhã.
Sua pouca experiência com outros homens a deixava intrigada. Gostava do jeito que o marido fazia, mas será que era só aquilo mesmo? Sempre que ela ameaçava pedir algo diferente, ele desconversava. Sentia-se um pouco culpada, afinal era bem tratada, seu marido sempre a procurava. Resignada, buscava meios de parar de pensar nisso e seguir a vida adiante.
Um dia seu marido saiu em viagem para buscar uma boiada em outro estado. Ela ficou sozinha, mas não havia perigo, sua casa ficava há apenas alguns poucos quilômetros de seus pais, na mesma fazenda. Ocupava-se com os afazeres domésticos, sempre vestida com aquele vestidinho florido, curto e solto, que mostrava bem suas belas curvas. O cabelo preto e liso, escorria até quase a cintura. Tinha os seios pequenos, mas empinados. O traseiro por sua vez era carnudo e largo.
Estava escurecendo, escutou palmas na frente de casa. Foi ver quem era e se surpreendeu ao ver seu primo. Ele era poucos anos mais velho que ela, havia morado na fazenda até uns dez anos de idade, depois se mudou junto com a família para o norte. Não tinha como não reconhecer aquele rosto que ainda parecia de menino. Mas o corpo já era de homem. Estava de passagem pela região e resolveu visitar os tios, que deram a notícia de que a bela prima morena havia se casado. Ao saber que o marido não estava em casa, preferiu não entrar, mas a prima insistiu tanto que foi até a cozinha tomar um café e comer um pedaço de bolo de fubá. Apesar do respeito, o primo encantou-se com aquele belo corpo. Quando ela se levantou para lavar a xícara, reparou nas coxas grossas. Excitou-se, procurou esconder, mas ela ao virar percebeu. O sangue dos dois ferveu, não falaram mais nada, ela já se aproximou. Beijaram-se, ele a abraçou, puxou as alças do vestido, que caiu no chão. Ela tremia, finalmente teria uma emoção diferente, proibida. Fez tudo que tinha vontade e coisas que nem imaginava o quanto era bom. Sentia-se leve, realizada.
Nessa hora ela acordou assustada. O relógio marcava seis horas. Estava sozinha na cama, com o corpo quente e suado e a respiração ofegante.
Perdeu a virgindade na noite de núpcias. Ele se mostrou todo carinhoso e respeitador. Para ele não era a primeira vez. Ela gostou, apesar de ter ficado um pouco assustada. Com o passar do tempo ele foi conquistando sua admiração pelo modo delicado e atencioso. Era uma mulher feliz, ainda mais porque seu marido gostava de tê-la toda noite. Ela havia descoberto o prazer da vida a dois, adorava! Apesar de gostoso, a relação íntima era metódica ao ponto de ser executada sempre no mesmo horário, às seis horas da manhã. Ele acordava pouco antes, tirava a roupa dela, deitava por cima e pronto. Dia após dia, a rotina se repetia, o galo cantava, o sol começando a dar o ar da graça e os dois lá, sempre ele por cima, ela por baixo, ela nua, ele com a roupa de bairro arriada, às seis horas da manhã.
Sua pouca experiência com outros homens a deixava intrigada. Gostava do jeito que o marido fazia, mas será que era só aquilo mesmo? Sempre que ela ameaçava pedir algo diferente, ele desconversava. Sentia-se um pouco culpada, afinal era bem tratada, seu marido sempre a procurava. Resignada, buscava meios de parar de pensar nisso e seguir a vida adiante.
Um dia seu marido saiu em viagem para buscar uma boiada em outro estado. Ela ficou sozinha, mas não havia perigo, sua casa ficava há apenas alguns poucos quilômetros de seus pais, na mesma fazenda. Ocupava-se com os afazeres domésticos, sempre vestida com aquele vestidinho florido, curto e solto, que mostrava bem suas belas curvas. O cabelo preto e liso, escorria até quase a cintura. Tinha os seios pequenos, mas empinados. O traseiro por sua vez era carnudo e largo.
Estava escurecendo, escutou palmas na frente de casa. Foi ver quem era e se surpreendeu ao ver seu primo. Ele era poucos anos mais velho que ela, havia morado na fazenda até uns dez anos de idade, depois se mudou junto com a família para o norte. Não tinha como não reconhecer aquele rosto que ainda parecia de menino. Mas o corpo já era de homem. Estava de passagem pela região e resolveu visitar os tios, que deram a notícia de que a bela prima morena havia se casado. Ao saber que o marido não estava em casa, preferiu não entrar, mas a prima insistiu tanto que foi até a cozinha tomar um café e comer um pedaço de bolo de fubá. Apesar do respeito, o primo encantou-se com aquele belo corpo. Quando ela se levantou para lavar a xícara, reparou nas coxas grossas. Excitou-se, procurou esconder, mas ela ao virar percebeu. O sangue dos dois ferveu, não falaram mais nada, ela já se aproximou. Beijaram-se, ele a abraçou, puxou as alças do vestido, que caiu no chão. Ela tremia, finalmente teria uma emoção diferente, proibida. Fez tudo que tinha vontade e coisas que nem imaginava o quanto era bom. Sentia-se leve, realizada.
Nessa hora ela acordou assustada. O relógio marcava seis horas. Estava sozinha na cama, com o corpo quente e suado e a respiração ofegante.
Marcadores:
Conto Seis horas da manhã Tarcísio Mello
sexta-feira, setembro 03, 2010
[Conto] O barulho da porta
Aeroporto lotado. Aquelas viagens vinham lhe cansando mais do que o de costume. Sorte que sua competência havia permitido que o trabalho fosse finalizado em menos tempo, proporcionando a situação inédita de voltar para casa na sexta pela manhã. Preferiu não avisar sua esposa, com o objetivo de fazer uma surpresa. Após seis meses de casamento continuavam totalmente apaixonados um pelo outro. Os dias fora de casa fizeram aumentar ainda mais a vontade de estar com ela.
O táxi deixou-lhe na porta do prédio. Subiu, abriu a porta lentamente. Não havia ninguém em casa. Foi até o quarto, colocou a mala em cima da cama e começou a ajeitar tudo. Nesse momento ouviu o barulho da porta. Moveu-se lentamente até o corredor. Viu primeiro a imagem de um homem desconhecido. Ele já estava sem camisa, mostrando suas costas largas e a pele bronzeada. Ficou paralisado. Foi quando viu aquele mesmo homem levantando o vestidinho branco dela, deixando metade daquele belo corpo nu à mostra. Começaram então a se beijar loucamente, a se encostarem, a se pegarem de forma intensa.
Aquilo estava deixando-o confuso. O correto seria acabar com aquela palhaçada logo, onde já se viu!? Dentro da sua própria casa. Quem ela achava que era? Percebeu, entretanto, que estava excitado com a situação. Continuou no corredor, meio escondido, sem tirar o olho dos dois. Queria ver até onde teriam coragem de chegar. Ainda observando à espreita, viu os dois finalmente consumarem o ato final. Com medo de ser visto, retornou ao quarto. Resolveu voltar. Atravessou o corredor rapidamente. Ouviu novamente o barulho da porta. Escondeu-se. Era sua mulher chegando da academia. Ainda bem que a empregada e seu namoradinho já haviam terminado tudo e não estavam mais na sala.
O táxi deixou-lhe na porta do prédio. Subiu, abriu a porta lentamente. Não havia ninguém em casa. Foi até o quarto, colocou a mala em cima da cama e começou a ajeitar tudo. Nesse momento ouviu o barulho da porta. Moveu-se lentamente até o corredor. Viu primeiro a imagem de um homem desconhecido. Ele já estava sem camisa, mostrando suas costas largas e a pele bronzeada. Ficou paralisado. Foi quando viu aquele mesmo homem levantando o vestidinho branco dela, deixando metade daquele belo corpo nu à mostra. Começaram então a se beijar loucamente, a se encostarem, a se pegarem de forma intensa.
Aquilo estava deixando-o confuso. O correto seria acabar com aquela palhaçada logo, onde já se viu!? Dentro da sua própria casa. Quem ela achava que era? Percebeu, entretanto, que estava excitado com a situação. Continuou no corredor, meio escondido, sem tirar o olho dos dois. Queria ver até onde teriam coragem de chegar. Ainda observando à espreita, viu os dois finalmente consumarem o ato final. Com medo de ser visto, retornou ao quarto. Resolveu voltar. Atravessou o corredor rapidamente. Ouviu novamente o barulho da porta. Escondeu-se. Era sua mulher chegando da academia. Ainda bem que a empregada e seu namoradinho já haviam terminado tudo e não estavam mais na sala.
Marcadores:
Conto O barulho da porta Tarcísio Mello
sexta-feira, agosto 27, 2010
[Conto] O certo pelo duvidoso
Ele sempre foi um homem correto. Desde criança, enquanto os amiguinhos realizavam as mais diversas travessuras, ele se mantinha ordeiro e obediente. Nunca foi bobo, apenas sabia se divertir e viver a vida de forma consciente e extremamente responsável. Orgulho dos pais, de quem herdou uma educação fina e exemplar, foi sempre querido por todos, mesmo sendo alvo constante de brincadeiras à respeito do seu jeito correto de ser.
Estava com trinta anos, casado há cinco, ainda sem filhos. Trabalhando em uma corretora de seguros, mantinha sua postura irrepreensível tanto na vida pessoal quanto na profissional. Tinha um salário excelente e ganhava prêmios pelo seu desempenho, o que lhe permitia uma vida confortável ao lado da esposa, que foi sua primeira e única namorada. Seu casamento, como tudo em sua vida, era calmo e tranquilo. Mostrava-se sempre um marido atencioso e amável.
Começou a sentir-se inquieto. As zoações dos amigos, enfatizando seu jeito todo certinho, começavam a lhe incomodar, coisa que nunca havia acontecido. Enquanto havia tido uma única mulher na vida, todos da turma gabavam-se de sair com diversas mulheres; novas, velhas, brancas, morenas, loiras, gostosas, solteiras, casadas ... Ultimamente estava sentindo inveja em relação a isso. Respeitava as leis de trânsito, não passava em sinal vermelho, não excedia a velocidade e não estacionava em local proibido, ao contrário de todo mundo que sempre fazia isso e nunca era flagrado. Gostava de filmes, gastava uma pequena fortuna com o pacote mais caro de tv à cabo e com DVD. Os amigos compravam filmes piratas e faziam “gato” na tv.
Repentinamente decidiu que mudaria seu jeito. Estava cansado daquela mesmice. Estava cansado de ser o certinho. Lembrou-se, entretanto, de uma frase proferida por seu pai, “Para aqueles que nasceram com dom de serem malandros e espertos, toda traquinagem dá certo. Já aqueles que nasceram para serem certinhos, serão pegos na primeira coisa errada que fizerem”. Mesmo assim estava convicto, queria ser um pouco mais como seus amigos, queria fazer coisas erradas e rir de tudo isso junto à galera. Começou a sair sozinho, sem a esposa. Ela, de início, achou estranho, mas não se opôs devido à confiança irrestrita que tinha no marido. Seu primeiro passo foi frequentar casas de prostituição. Adorou aquele ambiente. Depois de realizar a primeira traição de sua vida, sentiu-se revigorado. Virou um vício, alimentado por visitas semanais às suas novas amantes. Passou a andar acima do limite de velocidade, ultrapassava pela direita, pela esquerda, por onde fosse possível. Quando via sinal vermelho, apenas diminuía a velocidade e passava sem remorso. Cancelou a assinatura da tv à cabo e comprou um aparelho desbloqueado em uma loja totalmente suspeita na periferia da cidade.
Em uma de suas saídas particulares, chamou-lhe a atenção uma loira atraente e espevitada, sentada junto à algumas amigas. Quando ela foi ao banheiro, foi junto, fazendo a abordagem. Trocaram telefones, viraram amantes. Encontravam-se no melhor motel da cidade duas vezes por semana, às três e meia da tarde. Ah sim, ela era casada. Melhor ainda! E passou a viver assim desde então, tornando-se praticamente outra pessoa. Estava gostando de tudo aquilo e se arrependia por não ter dado essa reviravolta na vida mais cedo.
Entretanto, naquela tarde de sexta-feira, lembrou-se novamente do que seu pai havia lhe falado. Tudo começou quando esqueceu seu telefone celular em cima da mesa da sala. Já na empresa, concentrado no trabalho, atende o telefone e ouve a empregada doméstica que trabalhava em sua casa dizer:
- Doutor, o homem da tv à cabo está aqui. Disse que precisa consertar alguma coisa.
- Não deixe ele entrar de jeito nenhum, já estou indo aí falar com ele. Não deixe ele entrar!
- Mas doutor, ele já entrou. Segurei ele lá fora um tempão. Estava tentando ligar no seu celular mas depois percebi que ele ficou aqui.
- Enrole ele aí, já estou indo.
Saiu em disparada com seu carro. Ao ver o sinal vermelho, ultrapassou pelo acostamento a fila que se formava. Não viu o carro da polícia parado bem à frente do cruzamento. Foi parado. Mostrou os documentos, levou uma bela multa e atrasou-se demais. Quando conseguiu chegar em casa, deparou-se com a empregada na porta.
- Doutor. Acho melhor o senhor não entrar.
- Ué, porque eu não vou entrar na minha própria casa?
- O moço da tv à cabo estava te esperando quando seu celular tocou em cima da mesa. Ele olhou e reconheceu o número. O número da mulher dele. Era ela que ficava te ligando toda hora, doutor? Ele disse que vai te matar.
- Caramba. Vou chamar a polícia!
- Não precisa não doutor, ele já chamou. E falou pra eles que sua tv à cabo é clandestina.
Estava com trinta anos, casado há cinco, ainda sem filhos. Trabalhando em uma corretora de seguros, mantinha sua postura irrepreensível tanto na vida pessoal quanto na profissional. Tinha um salário excelente e ganhava prêmios pelo seu desempenho, o que lhe permitia uma vida confortável ao lado da esposa, que foi sua primeira e única namorada. Seu casamento, como tudo em sua vida, era calmo e tranquilo. Mostrava-se sempre um marido atencioso e amável.
Começou a sentir-se inquieto. As zoações dos amigos, enfatizando seu jeito todo certinho, começavam a lhe incomodar, coisa que nunca havia acontecido. Enquanto havia tido uma única mulher na vida, todos da turma gabavam-se de sair com diversas mulheres; novas, velhas, brancas, morenas, loiras, gostosas, solteiras, casadas ... Ultimamente estava sentindo inveja em relação a isso. Respeitava as leis de trânsito, não passava em sinal vermelho, não excedia a velocidade e não estacionava em local proibido, ao contrário de todo mundo que sempre fazia isso e nunca era flagrado. Gostava de filmes, gastava uma pequena fortuna com o pacote mais caro de tv à cabo e com DVD. Os amigos compravam filmes piratas e faziam “gato” na tv.
Repentinamente decidiu que mudaria seu jeito. Estava cansado daquela mesmice. Estava cansado de ser o certinho. Lembrou-se, entretanto, de uma frase proferida por seu pai, “Para aqueles que nasceram com dom de serem malandros e espertos, toda traquinagem dá certo. Já aqueles que nasceram para serem certinhos, serão pegos na primeira coisa errada que fizerem”. Mesmo assim estava convicto, queria ser um pouco mais como seus amigos, queria fazer coisas erradas e rir de tudo isso junto à galera. Começou a sair sozinho, sem a esposa. Ela, de início, achou estranho, mas não se opôs devido à confiança irrestrita que tinha no marido. Seu primeiro passo foi frequentar casas de prostituição. Adorou aquele ambiente. Depois de realizar a primeira traição de sua vida, sentiu-se revigorado. Virou um vício, alimentado por visitas semanais às suas novas amantes. Passou a andar acima do limite de velocidade, ultrapassava pela direita, pela esquerda, por onde fosse possível. Quando via sinal vermelho, apenas diminuía a velocidade e passava sem remorso. Cancelou a assinatura da tv à cabo e comprou um aparelho desbloqueado em uma loja totalmente suspeita na periferia da cidade.
Em uma de suas saídas particulares, chamou-lhe a atenção uma loira atraente e espevitada, sentada junto à algumas amigas. Quando ela foi ao banheiro, foi junto, fazendo a abordagem. Trocaram telefones, viraram amantes. Encontravam-se no melhor motel da cidade duas vezes por semana, às três e meia da tarde. Ah sim, ela era casada. Melhor ainda! E passou a viver assim desde então, tornando-se praticamente outra pessoa. Estava gostando de tudo aquilo e se arrependia por não ter dado essa reviravolta na vida mais cedo.
Entretanto, naquela tarde de sexta-feira, lembrou-se novamente do que seu pai havia lhe falado. Tudo começou quando esqueceu seu telefone celular em cima da mesa da sala. Já na empresa, concentrado no trabalho, atende o telefone e ouve a empregada doméstica que trabalhava em sua casa dizer:
- Doutor, o homem da tv à cabo está aqui. Disse que precisa consertar alguma coisa.
- Não deixe ele entrar de jeito nenhum, já estou indo aí falar com ele. Não deixe ele entrar!
- Mas doutor, ele já entrou. Segurei ele lá fora um tempão. Estava tentando ligar no seu celular mas depois percebi que ele ficou aqui.
- Enrole ele aí, já estou indo.
Saiu em disparada com seu carro. Ao ver o sinal vermelho, ultrapassou pelo acostamento a fila que se formava. Não viu o carro da polícia parado bem à frente do cruzamento. Foi parado. Mostrou os documentos, levou uma bela multa e atrasou-se demais. Quando conseguiu chegar em casa, deparou-se com a empregada na porta.
- Doutor. Acho melhor o senhor não entrar.
- Ué, porque eu não vou entrar na minha própria casa?
- O moço da tv à cabo estava te esperando quando seu celular tocou em cima da mesa. Ele olhou e reconheceu o número. O número da mulher dele. Era ela que ficava te ligando toda hora, doutor? Ele disse que vai te matar.
- Caramba. Vou chamar a polícia!
- Não precisa não doutor, ele já chamou. E falou pra eles que sua tv à cabo é clandestina.
Marcadores:
Conto O certo pelo duvidoso Tarcísio Mello
quinta-feira, agosto 26, 2010
[Conto] Dor de dente
Dor pior que a de dente apenas a de parto. Não sei se é verdade e não quero saber, mesmo porque se algum dia eu fosse ter um filho, seria por cesariana. Naquele domingo à noite atingi o limite da dor suportável e liguei para meu dentista, consciente de que ele não ficaria nem um pouco satisfeito com a ligação, principalmente se estivesse saboreando uma pizza de quatro queijos naquele momento. Não atendeu. O que fazer então? Telefonei para alguns amigos, na vã esperança de que dessem fim, de alguma forma, ao meu martírio. Um deles, talvez o que eu tivesse menos esperança que pudesse ajudar, disse:
- Conheço uma dentista que atende casos iguais ao seu, de emergência. Minha mãe já precisou. Peraí, vou te passar o número.
Aguardei até que ele retornasse, já com papel e caneta preparados. Coitado, mal ele pronunciou o último dígito eu já havia desligado. Não aguentava mais aquele suplício. Nem havia passado pela minha cabeça que a dentista não atenderia, que não daria certo. Estava confiante até o sexto toque ... Já ia desligar quando ouvi:
- Doutora Elza, boa noite.
- Boa noite, Doutora Elza. Estou com uma dor de dente inenarrável, peguei seu contato com um amigo, gostaria de saber se pode me atender agora.
- É claro, menino. Pode vir imediatamente, estarei lhe esperando. Anote o endereço.
No mesmo papel usado para anotar o número do telefone lá estava agora o endereço da minha salvação. Peguei a chave do carro e saí em disparada, com o objetivo claro de percorrer aqueles dez quilômetros em menos de cinco minutos.
O local era agradável, moderno e bem limpo. Toquei a campainha e Doutora Elza apareceu rapidamente, com seu jeito bonachão e simpático. Entrei. Mal podia esperar a hora de ouvir o barulho do motorzinho dando início ao fim da minha dor. Sentei-me na cadeira, Doutora Elza percebendo meu martírio fez algumas perguntas rápidas sobre o local da dor e já iniciou os procedimentos. Eu lá, com a bocona aberta a ponto de doer meus maxilares e Doutora Elza começou a conversar comigo, tentando transformar um monólogo em um diálogo quase impossível. Todo mundo já passou por esse tipo de situação, de estar com um dentista que acha que você vai conseguir responder às perguntas que lhe faz estando com a boca aberta, duas mãos e um motorzinho dentro. Mas Doutora Elza era a pior de todas que eu conhecia. Perguntou meu nome completo, minha idade, se era casado, se tinha filhos, no que eu trabalhava, se tinha cachorro ...
- Mas me conta, meu filho ... Você, tão bonito assim, ainda solteiro?
- Ãã!
- Que coisa, né? Hoje em dia não está fácil conseguir uma mulher decente. Você não tem nem namorada?
- Ã..ãã!
- Ah, namorada você tem!
- Ã .. nãã!
- Agora entendi, não tem nem namorada. É, como eu estava dizendo, hoje em dia é mais fácil achar um homem decente do que uma mulher honesta, concorda comigo?
- Ãã!
- Pois é, esse mundo está perdido, meu filho. Mas você já namorou, né? Não é gay não, né?
- Ãã! Nããããããã!
Cada vez que eu tentava responder minha boca doía ainda mais. E por mais que eu tentasse mostrar minha afonia, ela repetia a pergunta até que eu, sem outra opção, emitisse algum som nasalado. Tal tormento prolongou-se durante longos trinta e cinco minutos, ao fim dos quais eu já sabia que ela era viúva, tinha três filhos, um deles vivendo no Canadá, pai de uma belezinha chamada Antonia. Mas nem me importei muito quando percebi que minha dor havia finalmente cessado. Tudo havia valido a pena e eu estava agradecido a Doutora Elza.
Sentei-me então à sua frente, diante daquela bonita mesa de madeira.
- Obrigado por me atender nesse horário, Doutora Elza. Quanto lhe devo?
- Duzentos reais.
- Duzentos reais? Sei que atendimentos realizados aos finais de semana e à noite são mais caros, mas duzentos reais?
- Ãã!
- Poxa, Doutora Elza, dá pelo menos para dividir em duas vezes para mim?
- Ã .. nãã!
- Conheço uma dentista que atende casos iguais ao seu, de emergência. Minha mãe já precisou. Peraí, vou te passar o número.
Aguardei até que ele retornasse, já com papel e caneta preparados. Coitado, mal ele pronunciou o último dígito eu já havia desligado. Não aguentava mais aquele suplício. Nem havia passado pela minha cabeça que a dentista não atenderia, que não daria certo. Estava confiante até o sexto toque ... Já ia desligar quando ouvi:
- Doutora Elza, boa noite.
- Boa noite, Doutora Elza. Estou com uma dor de dente inenarrável, peguei seu contato com um amigo, gostaria de saber se pode me atender agora.
- É claro, menino. Pode vir imediatamente, estarei lhe esperando. Anote o endereço.
No mesmo papel usado para anotar o número do telefone lá estava agora o endereço da minha salvação. Peguei a chave do carro e saí em disparada, com o objetivo claro de percorrer aqueles dez quilômetros em menos de cinco minutos.
O local era agradável, moderno e bem limpo. Toquei a campainha e Doutora Elza apareceu rapidamente, com seu jeito bonachão e simpático. Entrei. Mal podia esperar a hora de ouvir o barulho do motorzinho dando início ao fim da minha dor. Sentei-me na cadeira, Doutora Elza percebendo meu martírio fez algumas perguntas rápidas sobre o local da dor e já iniciou os procedimentos. Eu lá, com a bocona aberta a ponto de doer meus maxilares e Doutora Elza começou a conversar comigo, tentando transformar um monólogo em um diálogo quase impossível. Todo mundo já passou por esse tipo de situação, de estar com um dentista que acha que você vai conseguir responder às perguntas que lhe faz estando com a boca aberta, duas mãos e um motorzinho dentro. Mas Doutora Elza era a pior de todas que eu conhecia. Perguntou meu nome completo, minha idade, se era casado, se tinha filhos, no que eu trabalhava, se tinha cachorro ...
- Mas me conta, meu filho ... Você, tão bonito assim, ainda solteiro?
- Ãã!
- Que coisa, né? Hoje em dia não está fácil conseguir uma mulher decente. Você não tem nem namorada?
- Ã..ãã!
- Ah, namorada você tem!
- Ã .. nãã!
- Agora entendi, não tem nem namorada. É, como eu estava dizendo, hoje em dia é mais fácil achar um homem decente do que uma mulher honesta, concorda comigo?
- Ãã!
- Pois é, esse mundo está perdido, meu filho. Mas você já namorou, né? Não é gay não, né?
- Ãã! Nããããããã!
Cada vez que eu tentava responder minha boca doía ainda mais. E por mais que eu tentasse mostrar minha afonia, ela repetia a pergunta até que eu, sem outra opção, emitisse algum som nasalado. Tal tormento prolongou-se durante longos trinta e cinco minutos, ao fim dos quais eu já sabia que ela era viúva, tinha três filhos, um deles vivendo no Canadá, pai de uma belezinha chamada Antonia. Mas nem me importei muito quando percebi que minha dor havia finalmente cessado. Tudo havia valido a pena e eu estava agradecido a Doutora Elza.
Sentei-me então à sua frente, diante daquela bonita mesa de madeira.
- Obrigado por me atender nesse horário, Doutora Elza. Quanto lhe devo?
- Duzentos reais.
- Duzentos reais? Sei que atendimentos realizados aos finais de semana e à noite são mais caros, mas duzentos reais?
- Ãã!
- Poxa, Doutora Elza, dá pelo menos para dividir em duas vezes para mim?
- Ã .. nãã!
Marcadores:
Conto Dor de Dente Tarcísio Mello
21 listas de dicas para aprimorar a leitura e a escrita (Blog Livros e Afins)
Marcadores:
Dicas Leitura Escrita Blog Livros e Afins
A importância de uma equipe equilibrada
Em seu livro Management Teams: why they succeed or fall, R. Meredith Belbin enfatiza que não basta ter, em uma equipe, os melhores profissionais individualmente; eles têm que ter características complementares. Veja abaixo a classificação criada por Belbin e veja em qual delas você se encaixa:
Papéis direcionados para a AÇÃO - Os que Fazem/Agem – são orientados pela necessidade de agir e tomar decisões
Implementador (implementa idéias): Bem organizado, disciplinado, eficiente. Conservador e previsível - coloca idéias básicas em prática. Pode ser lento na tomada de decisões e inflexível.
Formatador (dá forma e direciona ações): Dinâmico gosta de ação e trabalha bem sob pressão. Corajoso e motivado por obstáculos. Pode ser insensível e provocativo.
Completador/Acabador (termina o trabalho): Conscientizado e ansioso, completa tarefas, faz seguimento e assegura-se de que os processos sejam seguidos. Procura e corrige erros. Pode se preocupar em demasia e tende a não confiar no trabalho alheio, relutando em delegar.
Papéis direcionados para o trabalho CEREBRAL - São os que pensam / resolvem problemas – são orientados pela razão e são analíticos
Semeador (semeia idéias): Resolve problemas difíceis, com ideias criativas, originais. Tende a se preocupar demasiado com suas ideias e esquece de se comunicar bem; pode ignorar detalhes.
Monitor/Avaliador (monitora e avalia o trabalho): Pensa cuidadosamente e tem visão clara dos processos. Honesto, discreto, estratégico e tem bom discernimento. Pode lhe faltar energia ou habilidade para inspirar os outros.
Especialista: Gosta do processo de aprendizagem e por isso reúne conhecimento e experiência, podendo resolver problemas em áreas chaves. Tendência a ser extremamente técnico.
Papéis direcionados para as PESSOAS - São os que desenvolvem e entendem as pessoas - orientados pela necessidade de socialização
Coordenador: Confidente, maduro, clarifica objetivos e promove o trabalho. Tem facilidade em delegar tarefas e ajudar os membros da equipe a manter o foco. Pode ser excessivamente controlador, tendência a delegar mais que trabalhar e a manipular.
Trabalhador em Equipe: Diplomático, cooperativo e perceptivo. Se importa pelos membros da equipe; sabe ouvir e resolver os conflitos sociais. Pode ter problemas tomando decisões difíceis; evita conflitos ao invés de tentar solucioná-los, o que leva a conformidade.
Investigador de Recursos: Extrovertido, entusiástico e comunicativo. Explora novas ideias e possibilidades, considerando o potencial humano – bom em networking. Pode ser excessivamente otimista e perder energia depois de passado o entusiasmo inicial.
Fonte: Baseado nos nove Team Roles de Meredith Belbin (1993)
Papéis direcionados para a AÇÃO - Os que Fazem/Agem – são orientados pela necessidade de agir e tomar decisões
Implementador (implementa idéias): Bem organizado, disciplinado, eficiente. Conservador e previsível - coloca idéias básicas em prática. Pode ser lento na tomada de decisões e inflexível.
Formatador (dá forma e direciona ações): Dinâmico gosta de ação e trabalha bem sob pressão. Corajoso e motivado por obstáculos. Pode ser insensível e provocativo.
Completador/Acabador (termina o trabalho): Conscientizado e ansioso, completa tarefas, faz seguimento e assegura-se de que os processos sejam seguidos. Procura e corrige erros. Pode se preocupar em demasia e tende a não confiar no trabalho alheio, relutando em delegar.
Papéis direcionados para o trabalho CEREBRAL - São os que pensam / resolvem problemas – são orientados pela razão e são analíticos
Semeador (semeia idéias): Resolve problemas difíceis, com ideias criativas, originais. Tende a se preocupar demasiado com suas ideias e esquece de se comunicar bem; pode ignorar detalhes.
Monitor/Avaliador (monitora e avalia o trabalho): Pensa cuidadosamente e tem visão clara dos processos. Honesto, discreto, estratégico e tem bom discernimento. Pode lhe faltar energia ou habilidade para inspirar os outros.
Especialista: Gosta do processo de aprendizagem e por isso reúne conhecimento e experiência, podendo resolver problemas em áreas chaves. Tendência a ser extremamente técnico.
Papéis direcionados para as PESSOAS - São os que desenvolvem e entendem as pessoas - orientados pela necessidade de socialização
Coordenador: Confidente, maduro, clarifica objetivos e promove o trabalho. Tem facilidade em delegar tarefas e ajudar os membros da equipe a manter o foco. Pode ser excessivamente controlador, tendência a delegar mais que trabalhar e a manipular.
Trabalhador em Equipe: Diplomático, cooperativo e perceptivo. Se importa pelos membros da equipe; sabe ouvir e resolver os conflitos sociais. Pode ter problemas tomando decisões difíceis; evita conflitos ao invés de tentar solucioná-los, o que leva a conformidade.
Investigador de Recursos: Extrovertido, entusiástico e comunicativo. Explora novas ideias e possibilidades, considerando o potencial humano – bom em networking. Pode ser excessivamente otimista e perder energia depois de passado o entusiasmo inicial.
Fonte: Baseado nos nove Team Roles de Meredith Belbin (1993)
Marcadores:
Meredith Belbin Trabalho em Equipe
sexta-feira, agosto 20, 2010
[Conto] Mata ela, filhinho!
Depois que passou a viver naquela casa sua vida mudou drasticamente. Para melhor, para muito melhor. Ela havia passado grande parte de sua vida zanzando por lugares fedegosos, escuros e perigosos. A tranquilidade que aquele local lhe trazia era reconfortante. Até mesmo o desdém quase total das pessoas que ali moravam não lhe incomodava. Ficaria mais feliz se tivesse um pouco mais de atenção, de carinho. Mas aí seria exigir demais, o simples fato de ter encontrado aquela porta aberta no momento que mais precisava já era motivo para gratulação eterna.
De todos que lá moravam, a pessoa que mais lhe gerava simpatia era aquele garotão lindo, brincalhão e sorridente. Era, afinal, o único que não a menosprezava, que às vezes brincava um pouco, conversava. Devia ter seus três anos, no máximo. Já a garota (uns doze anos) e o casal de adultos mal notavam sua presença. Melhor assim.
Seu cotidiano era, não raramente, enfadonho e melancólico. Tinha seu cantinho onde podia descansar com relativa tranquilidade. Acordava cedo para aproveitar o período em que todos ainda dormiam. Andava pela casa toda, menos nos quartos. Nesses momentos sentia-se mais livre, como se fosse realmente um membro daquela família. Ficava mais tempo na cozinha, onde deliciava-se com doces. Como adorava doces! Café também lhe agradava. Bolos então, que delícia! Com o sol oferecendo seus primeiros raios luminosos, ela já não tinha tanta liberdade.
O homem era o primeiro a acordar. Fazia barulhos estranhos no banheiro, sem se preocupar se incomodava os outros ou não. Soava o nariz, tossia, acionava a descarga do vaso sanitário várias vezes. Ia até a cozinha, bebia um copo de água e começava a fazer o café. Como de costume, nem notava sua presença. Terminado o café trancava-se novamente no banheiro para tomar banho. Era mais uma oportunidade para ela deliciar-se com um cafezinho fresco, feito na hora. Antes mesmo do homem terminar o banho, sua mulher também acordava, ia direto para a cozinha, onde xingava baixinho o marido por ter deixado as coisas do café todas sujas e fora do lugar. A garotona também não tardava a deixar sua cama, pois estudava de manhã. Como ela ficava linda com aquela sainha plissada do uniforme. Já o menino acordava cada dia em um horário diferente, tirando proveito da idade onde as responsabilidades não vão além de um mero pedido de benção antes de dormir.
Durante a maior parte do dia ficavam na casa apenas ela, a mulher e o garoto. O pai saía cedo e voltava tarde. A garota voltava na hora do almoço, comia alguma coisa e se trancava no quarto. Dessa forma, sua companhia resumia-se à encontros breves e fortuitos com o molequinho com cara de levado. Tinha que tomar muito cuidado, os movimentos desajeitados dele eram sem dúvida um risco para um ser tão frágil e desconjuntadiço como ela. Mesmo assim, gostava quando ele ficava perto, mexendo aqueles dedinhos gordos.
Tudo ia muito bem até aquela fatídica terça-feira. As últimas palavras que ela ouviu foram: “Mamãe, tem uma formiga aqui”. “Mata ela filhinho!”.
De todos que lá moravam, a pessoa que mais lhe gerava simpatia era aquele garotão lindo, brincalhão e sorridente. Era, afinal, o único que não a menosprezava, que às vezes brincava um pouco, conversava. Devia ter seus três anos, no máximo. Já a garota (uns doze anos) e o casal de adultos mal notavam sua presença. Melhor assim.
Seu cotidiano era, não raramente, enfadonho e melancólico. Tinha seu cantinho onde podia descansar com relativa tranquilidade. Acordava cedo para aproveitar o período em que todos ainda dormiam. Andava pela casa toda, menos nos quartos. Nesses momentos sentia-se mais livre, como se fosse realmente um membro daquela família. Ficava mais tempo na cozinha, onde deliciava-se com doces. Como adorava doces! Café também lhe agradava. Bolos então, que delícia! Com o sol oferecendo seus primeiros raios luminosos, ela já não tinha tanta liberdade.
O homem era o primeiro a acordar. Fazia barulhos estranhos no banheiro, sem se preocupar se incomodava os outros ou não. Soava o nariz, tossia, acionava a descarga do vaso sanitário várias vezes. Ia até a cozinha, bebia um copo de água e começava a fazer o café. Como de costume, nem notava sua presença. Terminado o café trancava-se novamente no banheiro para tomar banho. Era mais uma oportunidade para ela deliciar-se com um cafezinho fresco, feito na hora. Antes mesmo do homem terminar o banho, sua mulher também acordava, ia direto para a cozinha, onde xingava baixinho o marido por ter deixado as coisas do café todas sujas e fora do lugar. A garotona também não tardava a deixar sua cama, pois estudava de manhã. Como ela ficava linda com aquela sainha plissada do uniforme. Já o menino acordava cada dia em um horário diferente, tirando proveito da idade onde as responsabilidades não vão além de um mero pedido de benção antes de dormir.
Durante a maior parte do dia ficavam na casa apenas ela, a mulher e o garoto. O pai saía cedo e voltava tarde. A garota voltava na hora do almoço, comia alguma coisa e se trancava no quarto. Dessa forma, sua companhia resumia-se à encontros breves e fortuitos com o molequinho com cara de levado. Tinha que tomar muito cuidado, os movimentos desajeitados dele eram sem dúvida um risco para um ser tão frágil e desconjuntadiço como ela. Mesmo assim, gostava quando ele ficava perto, mexendo aqueles dedinhos gordos.
Tudo ia muito bem até aquela fatídica terça-feira. As últimas palavras que ela ouviu foram: “Mamãe, tem uma formiga aqui”. “Mata ela filhinho!”.
Marcadores:
Conto Mata ela,
filhinho Tarcísio Mello
quarta-feira, agosto 18, 2010
[Livro] A Metamorfose, de Franz Kafka
![]() |
Adicionar legenda |
Mas quando o leitor mais atento e interessado transcende a simples leitura, transpondo a situação vivida pelo personagem principal à vida real, aí sim tem-se uma real e justa impressão sobre a qualidade do texto de Kafka. De forma bastante atemporal, "A Metaformose" nos faz refletir sobre a situação onde uma pessoa respeitada e amada por todos perde essa importância à medida que não se mostra mais útil.
Esta obra de Kafka, escrita no início do século passado mostra-se um exemplo clássico do que hoje chamamos de literatura fantástica, estilo que vem tendo grande sucesso, mostrando-se como leitura obrigatória para esse público. Ainda não está convencido de ler A Metamorfose? Então, lá vai mais um motivo: tem apenas 96 páginas, de leitura extremamente fácil.
segunda-feira, agosto 16, 2010
Meu primeiro conto publicado
Como leitor inveterado e postulante à escritor amador, tenho o costume de acompanhar blogs sobre literatura, novos escritores, etc. Em um desses acessos, no blog Na Ponta dos Lápis encontrei um post sobre a organização de uma antologia de contos organizada pelo escritor e editor Leonardo Schabb em parceria com a Editora Multifoco.
Seguem abaixo mais informações sobre a antologia, retirada do blog acima citado:
Segue agora o trâmite burocrático e mais técnico da montagem do livro. De qualquer forma, em breve terei meu primeiro conto publicado. É o início da realização de um sonho que poderá culminar com um livro inteiro de minha autoria. Sonhar é preciso, e não paga imposto.
Seguem abaixo mais informações sobre a antologia, retirada do blog acima citado:
(...) O nome da coletânea será Alétheia - Ficção Especulativa. (...) Alétheia é a palavra do grego que indica verdade. Mas a verdade da filosofia, com todas as complexidades que isso traz. Acho um nome interessante, porque esta é a busca que este livro de contos procurará realizar. Não, claro, necessariamente uma busca pela verdade de fato, mas pela reflexão; a idéia é provocar o leitor através de histórias que não precisem ficar presas ao mundo real e convencional. Por isso a opção pela ficção especulativa. Como disse antes, o objetivo desta antologia não é só reunir um monte de contos sobre um mesmo gênero, mas produzir realmente um livro de qualidade, algo que as pessoas gostarão de ler e de indicar.
Os textos a serem recebidos devem gerar uma investigação, de alguma maneira, das características humanas, filosóficas ou de nossa sociedade por intermédio de suas histórias fantásticas. As histórias alternativas (aquelas que em geral surgem da expressão "E se tal coisa acontecesse", partindo para algo fantástico ou fora da realidade) provavelmente são as que se encaixarão melhor no tema, mas outros tipos de contos fantásticos também serão bem-vindos.Dediquei-me então à escrever um conto com essas características. Pensei, escrevi, reescrevi, revisei e finalmente enviei o conto entitulado "O Chifre". Para minha surpresa e satisfação inenarrável, meu conto foi escolhido para fazer parte da Alétheia, conforme pode ser visto aqui.
Segue agora o trâmite burocrático e mais técnico da montagem do livro. De qualquer forma, em breve terei meu primeiro conto publicado. É o início da realização de um sonho que poderá culminar com um livro inteiro de minha autoria. Sonhar é preciso, e não paga imposto.
terça-feira, agosto 10, 2010
Ler como objetivo e 5 dicas para que isso não seja uma obrigação, por Alessandro Martins (Blog Livros e Afins)
Ler mais é uma das grandes preocupações das pessoas no ano que chega. Além do quesito saúde, as listas de cada um tem algo em comum em boa parte das vezes. Leitura.
Todos nós sabemos que ler deve ser um ato de prazer e ele é. Sempre que aceitamos a idéia da leitura como algo obrigatório, imediatamente lembramos daqueles professores que nos atiçaram a ler um divertidíssimo Machado de Assis na hora errada. Isto é, quando não acharíamos divertidíssimo, embora ele o seja e muito.
Ora, se ler é algo prazeroso, não precisa e não deve estar associado com obrigação. Eu já me peguei pensando desse jeito várias vezes. Nada de errado, mas encarar as coisas assim pode tornar você um tanto neurótico a ponto de fazer uma lista com os livros lidos, como se eles fossem as presas abatidas em um safari.
Ler e prazer estão associados. Então, se não lemos o suficiente ou tanto quanto gostaríamos, a resposta é simples. Por algum motivo, não atendemos aos chamados de nossos prazeres – não só o dos livros, mas como um todo -, chamados que, de outra forma, seriam naturalmente atendidos.
Solução? Eliminar tais motivos tanto quanto possível.
Para tanto, fiz uma pequena lista de dicas que podem vir a ajudar.
Separe um tempo durante o dia para ler
Ler leva tempo e isso não deve mudar tão cedo. Cada vez mais as pessoas buscam prazeres rápidos e ficar de cinco a oito horas com um livro na mão se torna inconcebível. Mas acredite, os prazeres demorados são aqueles que mais valem a pena.
Guarde um tempo fixo do dia para essa atividade, se organize, faça uma agenda. Não precisa ser de cinco a oito horas. Quem sabe dois tempos de quinze minutos por dia? Já está bom. Depois de um ano, eles farão toda a diferença. Lembre-se: vale a pena, afinal é o seu prazer.
Outro problema é que as pessoas não associam prazer à disciplina e reservar uns minutos para a leitura exige disciplina. Nunca esqueça de levar sua diversão mais a sério do que a qualquer outra coisa.
Leia apenas o que lhe der prazer
Um dos maiores escritores que conheço – por livro, naturalmente – é Jorge Luis Borges. Qual a sua maior ambição? Ser um bom leitor. E não é pouca ambição. Seu conselho? Leia o que lhe faz feliz. Se você começar a ler alguma coisa e aquilo não lhe arrebatar, sequer o atrair levemente, deixe de lado. Talvez não seja a hora de ler, talvez nunca seja. Não faz mal. Existe uma infinidade de livros bons que vão lhe fazer feliz. Se quiser ler um pouco mais sobre isso, sugiro este artigo (http://livroseafins.com/literatura-uma-forma-de-alegria/).
Prepare o terreno
Nem sempre podemos escolher ou preparar o local em que vamos ler, mas, se pudermos, ajuda muito. Quem sabe uma poltrona aconchegante, ou uma escrivaninha levemente inclinada para facilitar ou até mesmo a cama, embora muitos não a recomendem pois você pode associar a leitura ao sono ou a cama ao manter-se acordado e nenhuma das duas opções é boa. Prepare uma bebida. Pode ser um café, um chá, um suco. Algo gostoso. Verifique se a temperatura está de acordo. Se preciso, abra ou feche uma janela. Arranje uma manta quentinha ou ponha uma pantufa ridícula, mas de que você gosta. Busque silêncio.
A idéia é preparar o ambiente, como em um ritual, de maneira a você ficar predisposto, antes mesmo de começar, aos momentos de prazer que viverá. Não recomendo música, pois olhos e ouvidos iriam brigar por atenção.
Mas o ambiente também pode ser uma situação. Um dos meus maiores prazeres é ler em uma panificadora muito movimentada aqui perto de casa enquanto tomo um pingado em um copo americano grande e como um pão com manteiga. Adoro fazer isso. Talvez você eleja uma árvore ou queira ficar com os pés em um riacho enquanto lê. Vale tudo. É um pouco de auto-conhecimento. Só você pode dizer o que é melhor para você em qualquer aspecto da vida. Neste também.
Outra coisa importante: preparar o ambiente para devotar sua atenção a essa atividade é uma questão de respeito. Alguém, um contemporâneo seu ou uma pessoa de muito tempo atrás, achou importante investir o seu precioso e curto tempo na Terra para escrever as palavras que estão no livro e assim transmiti-las a um leitor. E esse leitor é você. Ei! Não olhe para o lado… estou falando com você. É uma honra ler seja lá o que for. Talvez alguém tenha morrido para essas palavras chegarem até você. Talvez muitas pessoas. Portanto, as linhas não podem passar sob dois olhos entediados.
Leia junto com alguém
Se ler é algo prazeroso, nada melhor que um prazer solitário deixar de ser solitário e passar a ser compartilhado com alguém. Quem já deu uma trepadinha que seja na vida sabe do que estou falando. Eu e Júlia, no momento, lemos um para o outro, alternadamente, o livro História Sem Fim, de Michael Ende. É ótimo poder acompanhar aos poucos o desenrolar da história na voz de quem se ama. E essa pessoa pode ser não só sua namorada ou sua mulher. Pode ser seu irmão, irmã, amigo ou amiga. Compartilhar um livro é compartilhar vida. E compartilhar vida, bem… conheço poucas definições tão boas para amor. Se isso não fizer a leitura deixar de ser uma obrigação, não sei o que fará.
Se alguém se perguntou – e tenho certeza de que alguém fez isso – respondo: sim, eu e Júlia também fazemos outras coisas. Não entrarei em detalhes.
Leia menos
Esta dica parece contrariar seu próprio objetivo, mas ela é genial. Consiste da seguinte sabedoria: nunca faça nada prazeroso em tal quantidade que essa atividade fique cansativa, desgastante ou mesmo dolorida. Se isso acontecer com freqüência, com o tempo essa atividade, ainda que ela seja a mais prazerosa, será associada a desgaste e cansaço. Sempre.
- Ah, isso não acontece com o sexo…
É? Pense nas prostitutas.
Então, saia da mesa com um pouquinho de fome, pare de ler no melhor momento daquele capítulo. Guarde pra depois.
Com o tempo, os limites vão se alargando e mesmo “lendo menos” você vai notar que passou a ler muito mais do que quando começou a adotar estas táticas.
E, mais importante, mantendo o prazer e valorizando cada vez mais o que você lê.
Estas são minhas dicas, mas tenho certeza de que você tem as suas. Portanto, não se acanhe e as deixe aí embaixo nos comentários.
Fonte: Blog Livros e Afins ( http://livroseafins.com/ )
Todos nós sabemos que ler deve ser um ato de prazer e ele é. Sempre que aceitamos a idéia da leitura como algo obrigatório, imediatamente lembramos daqueles professores que nos atiçaram a ler um divertidíssimo Machado de Assis na hora errada. Isto é, quando não acharíamos divertidíssimo, embora ele o seja e muito.
Ora, se ler é algo prazeroso, não precisa e não deve estar associado com obrigação. Eu já me peguei pensando desse jeito várias vezes. Nada de errado, mas encarar as coisas assim pode tornar você um tanto neurótico a ponto de fazer uma lista com os livros lidos, como se eles fossem as presas abatidas em um safari.
Ler e prazer estão associados. Então, se não lemos o suficiente ou tanto quanto gostaríamos, a resposta é simples. Por algum motivo, não atendemos aos chamados de nossos prazeres – não só o dos livros, mas como um todo -, chamados que, de outra forma, seriam naturalmente atendidos.
Solução? Eliminar tais motivos tanto quanto possível.
Para tanto, fiz uma pequena lista de dicas que podem vir a ajudar.
Separe um tempo durante o dia para ler
Ler leva tempo e isso não deve mudar tão cedo. Cada vez mais as pessoas buscam prazeres rápidos e ficar de cinco a oito horas com um livro na mão se torna inconcebível. Mas acredite, os prazeres demorados são aqueles que mais valem a pena.
Guarde um tempo fixo do dia para essa atividade, se organize, faça uma agenda. Não precisa ser de cinco a oito horas. Quem sabe dois tempos de quinze minutos por dia? Já está bom. Depois de um ano, eles farão toda a diferença. Lembre-se: vale a pena, afinal é o seu prazer.
Outro problema é que as pessoas não associam prazer à disciplina e reservar uns minutos para a leitura exige disciplina. Nunca esqueça de levar sua diversão mais a sério do que a qualquer outra coisa.
Leia apenas o que lhe der prazer
Um dos maiores escritores que conheço – por livro, naturalmente – é Jorge Luis Borges. Qual a sua maior ambição? Ser um bom leitor. E não é pouca ambição. Seu conselho? Leia o que lhe faz feliz. Se você começar a ler alguma coisa e aquilo não lhe arrebatar, sequer o atrair levemente, deixe de lado. Talvez não seja a hora de ler, talvez nunca seja. Não faz mal. Existe uma infinidade de livros bons que vão lhe fazer feliz. Se quiser ler um pouco mais sobre isso, sugiro este artigo (http://livroseafins.com/literatura-uma-forma-de-alegria/).
Prepare o terreno
Nem sempre podemos escolher ou preparar o local em que vamos ler, mas, se pudermos, ajuda muito. Quem sabe uma poltrona aconchegante, ou uma escrivaninha levemente inclinada para facilitar ou até mesmo a cama, embora muitos não a recomendem pois você pode associar a leitura ao sono ou a cama ao manter-se acordado e nenhuma das duas opções é boa. Prepare uma bebida. Pode ser um café, um chá, um suco. Algo gostoso. Verifique se a temperatura está de acordo. Se preciso, abra ou feche uma janela. Arranje uma manta quentinha ou ponha uma pantufa ridícula, mas de que você gosta. Busque silêncio.
A idéia é preparar o ambiente, como em um ritual, de maneira a você ficar predisposto, antes mesmo de começar, aos momentos de prazer que viverá. Não recomendo música, pois olhos e ouvidos iriam brigar por atenção.
Mas o ambiente também pode ser uma situação. Um dos meus maiores prazeres é ler em uma panificadora muito movimentada aqui perto de casa enquanto tomo um pingado em um copo americano grande e como um pão com manteiga. Adoro fazer isso. Talvez você eleja uma árvore ou queira ficar com os pés em um riacho enquanto lê. Vale tudo. É um pouco de auto-conhecimento. Só você pode dizer o que é melhor para você em qualquer aspecto da vida. Neste também.
Outra coisa importante: preparar o ambiente para devotar sua atenção a essa atividade é uma questão de respeito. Alguém, um contemporâneo seu ou uma pessoa de muito tempo atrás, achou importante investir o seu precioso e curto tempo na Terra para escrever as palavras que estão no livro e assim transmiti-las a um leitor. E esse leitor é você. Ei! Não olhe para o lado… estou falando com você. É uma honra ler seja lá o que for. Talvez alguém tenha morrido para essas palavras chegarem até você. Talvez muitas pessoas. Portanto, as linhas não podem passar sob dois olhos entediados.
Leia junto com alguém
Se ler é algo prazeroso, nada melhor que um prazer solitário deixar de ser solitário e passar a ser compartilhado com alguém. Quem já deu uma trepadinha que seja na vida sabe do que estou falando. Eu e Júlia, no momento, lemos um para o outro, alternadamente, o livro História Sem Fim, de Michael Ende. É ótimo poder acompanhar aos poucos o desenrolar da história na voz de quem se ama. E essa pessoa pode ser não só sua namorada ou sua mulher. Pode ser seu irmão, irmã, amigo ou amiga. Compartilhar um livro é compartilhar vida. E compartilhar vida, bem… conheço poucas definições tão boas para amor. Se isso não fizer a leitura deixar de ser uma obrigação, não sei o que fará.
Se alguém se perguntou – e tenho certeza de que alguém fez isso – respondo: sim, eu e Júlia também fazemos outras coisas. Não entrarei em detalhes.
Leia menos
Esta dica parece contrariar seu próprio objetivo, mas ela é genial. Consiste da seguinte sabedoria: nunca faça nada prazeroso em tal quantidade que essa atividade fique cansativa, desgastante ou mesmo dolorida. Se isso acontecer com freqüência, com o tempo essa atividade, ainda que ela seja a mais prazerosa, será associada a desgaste e cansaço. Sempre.
- Ah, isso não acontece com o sexo…
É? Pense nas prostitutas.
Então, saia da mesa com um pouquinho de fome, pare de ler no melhor momento daquele capítulo. Guarde pra depois.
Com o tempo, os limites vão se alargando e mesmo “lendo menos” você vai notar que passou a ler muito mais do que quando começou a adotar estas táticas.
E, mais importante, mantendo o prazer e valorizando cada vez mais o que você lê.
Estas são minhas dicas, mas tenho certeza de que você tem as suas. Portanto, não se acanhe e as deixe aí embaixo nos comentários.
Fonte: Blog Livros e Afins ( http://livroseafins.com/ )
Marcadores:
Leitura Livros Prazer na Leitura Leitor
sexta-feira, agosto 06, 2010
[Livro] Uma Breve História do Mundo, de Geoffrey Blainey
Nenhum livro fica na lista dos mais vendidos bastante tempo à toa. "Uma Breve História do Mundo" justifica essa presença, mostrando-se um livro que trata um tema "pesado" e culto (História) com linguagem mais simples e de fácil entendimento.
Por outro lado, aqueles que realmente gostam e têm uma maior familiaridade com o assunto acabam sentindo falta de um aprofundamento maior, de mais detalhes, de mais qualidade na descrição dos eventos históricos. Isso não é uma falha do livro e sim uma característica. O autor realmente cumpre o que promete: uma BREVE história do mundo.
Acredito que o público alvo do livro seja formado por pessoas que gostam de História mas não são aficcionados. Para estes últimos, a leitura de obras mais densas e completas sobre eventos históricos específicos será mais proveitosa e prazeirosa.
Por outro lado, aqueles que realmente gostam e têm uma maior familiaridade com o assunto acabam sentindo falta de um aprofundamento maior, de mais detalhes, de mais qualidade na descrição dos eventos históricos. Isso não é uma falha do livro e sim uma característica. O autor realmente cumpre o que promete: uma BREVE história do mundo.
Acredito que o público alvo do livro seja formado por pessoas que gostam de História mas não são aficcionados. Para estes últimos, a leitura de obras mais densas e completas sobre eventos históricos específicos será mais proveitosa e prazeirosa.
Marcadores:
Uma Breve História do Mundo Geoffrey Blainey
terça-feira, julho 20, 2010
Cultura forte, por Paulo Ricardo Mubarack
Veja que confusão editores de revistas de negócios, consultores e gurus conseguem armar para cima de você: na edição de maio-junho de 2010, a revista HSM Management (a melhor revista sobre gestão que conheço no mundo) dá um escorregão e apresenta um “novo conceito” através de um de seus editores, talvez na ânsia de mostrar algo realmente inovador para seus leitores. A capa e a principal reportagem discutem o sucesso ímpar da Brahma (AB InBev), analisando os princípios que levaram a antiga cervejaria brasileira a tornar-se a maior cervejaria da Terra. Em um parágrafo escrito pela revista, afirma-se que o sucesso da Brahma deve-se a uma cultura muito forte fundamentada em um conjunto claro de princípios e que, desta maneira, estamos diante de uma nova forma de estruturar empresas para a vitória, substituindo o “antigo” conceito de valores pelo “novo” conceito de princípios.
Confesso que fiquei decepcionado com a afirmação, tal é a admiração que tenho pela revista. Escrever que princípios vão substituir valores é de uma inutilidade atroz e confunde os gestores e empresários menos avisados. Em termos práticos, não há qualquer diferença entre estas duas palavras e profissionais que lutam todos os dias duramente para tocar suas empresas não são ajudados por quem cria esta confusão. Somente ignorância profunda em gestão ou alma de picareta podem alimentar esta discussão enfadonha e improdutiva. Cultura é o comportamento predominante em qualquer grupo social e toda empresa tem a sua. Este comportamento predominante chamado cultura é sintetizado em um conjunto de frases que expressam o que empresários esperam encontrar no comportamento de seus profissionais. Se chamamos a este conjunto de frases de valores, princípios ou por qualquer outra palavra, isto não tem a menor importância. O que não podemos é confundir nossas empresas afirmando que princípios substituem os valores ou outras bobagens do gênero.
A propósito e confusões à parte, é imprescindível que os proprietários e principais dirigentes de qualquer organização sintetizem sua cultura e a divulguem para todos seus empregados. Cultura forte é aquela que expele qualquer profissional que não esteja alinhado com ela. Muitos me perguntam para que serve uma empresa escrever seu conjunto de valores. Serve para, em primeiríssimo lugar, selecionar pessoas. Aquelas que não estejam alinhadas com estes valores não devem ingressar ou continuar na empresa. Serve também para nortear todas as decisões da companhia. Por exemplo, se o valor de uma empresa afirma que “segurança é inegociável”, um supervisor pode parar a produção mesmo que com perdas materiais se identificar risco de acidente.
Outro ponto: valores devem ser divulgados e constantemente relembrados em todas as ocasiões da rotina. Valores devem ser ensinados através de histórias. Se eu perguntar para uma empresa sobre seu principal valor e esta responder que é a ética e se não houver pelo menos três histórias CONTUNDENTES da vida real da companhia para contar onde a ética direcionou uma decisão muito importante, então ética não pode ser citada como um valor.
Somente empresas com cultura forte sobrevivem e prosperam. Assim como as civilizações. Roma teve um império que durou cerca de um milênio porque tinha cultura forte (força e honra). A Alemanha é um país admirado por todos porque tem cultura forte. Isto significa que nas decisões, nos investimentos e nos profissionais que seleciona e que promove, uma empresa de cultura forte tem critérios claros e inegociáveis. Em oposição, empresas de cultura fraca são colonizadas e dominadas pelas de cultura forte. No hino do meu Estado natal (RS) há um verso fabuloso:
“Mas não basta para ser livre
Ser forte, aguerrido e bravo
Povo que não tem virtude
Acaba por ser escravo.”
E se sua empresa não tem cultura forte? Trate de desenvolvê-la com muita disciplina ou prepare-se para ser colonizado. As melhores empresas são aquelas onde a família proprietária ou os principais acionistas têm cultura forte e selecionam pessoas que adoram esta cultura. Desenvolvem RH atuante que prepara uma escola de gestores que são “clones” dos donos. Há promoção interna e os principais gerentes e TODOS os diretores são prata da casa. Empresas fracas procuram seus dirigentes na rua, criando uma TORRE DE BABEL e submetendo-se à colonização. No médio e longo prazo, serão vendidas ou quebrarão. Trazer vez que outra alguém de fora é compreensível, mas se o número de “estrangeiros” representar mais de 10 % do quadro de dirigentes de uma companhia, ela é fraca e vai desaparecer.
Paulo Ricardo Mubarack
Confesso que fiquei decepcionado com a afirmação, tal é a admiração que tenho pela revista. Escrever que princípios vão substituir valores é de uma inutilidade atroz e confunde os gestores e empresários menos avisados. Em termos práticos, não há qualquer diferença entre estas duas palavras e profissionais que lutam todos os dias duramente para tocar suas empresas não são ajudados por quem cria esta confusão. Somente ignorância profunda em gestão ou alma de picareta podem alimentar esta discussão enfadonha e improdutiva. Cultura é o comportamento predominante em qualquer grupo social e toda empresa tem a sua. Este comportamento predominante chamado cultura é sintetizado em um conjunto de frases que expressam o que empresários esperam encontrar no comportamento de seus profissionais. Se chamamos a este conjunto de frases de valores, princípios ou por qualquer outra palavra, isto não tem a menor importância. O que não podemos é confundir nossas empresas afirmando que princípios substituem os valores ou outras bobagens do gênero.
A propósito e confusões à parte, é imprescindível que os proprietários e principais dirigentes de qualquer organização sintetizem sua cultura e a divulguem para todos seus empregados. Cultura forte é aquela que expele qualquer profissional que não esteja alinhado com ela. Muitos me perguntam para que serve uma empresa escrever seu conjunto de valores. Serve para, em primeiríssimo lugar, selecionar pessoas. Aquelas que não estejam alinhadas com estes valores não devem ingressar ou continuar na empresa. Serve também para nortear todas as decisões da companhia. Por exemplo, se o valor de uma empresa afirma que “segurança é inegociável”, um supervisor pode parar a produção mesmo que com perdas materiais se identificar risco de acidente.
Outro ponto: valores devem ser divulgados e constantemente relembrados em todas as ocasiões da rotina. Valores devem ser ensinados através de histórias. Se eu perguntar para uma empresa sobre seu principal valor e esta responder que é a ética e se não houver pelo menos três histórias CONTUNDENTES da vida real da companhia para contar onde a ética direcionou uma decisão muito importante, então ética não pode ser citada como um valor.
Somente empresas com cultura forte sobrevivem e prosperam. Assim como as civilizações. Roma teve um império que durou cerca de um milênio porque tinha cultura forte (força e honra). A Alemanha é um país admirado por todos porque tem cultura forte. Isto significa que nas decisões, nos investimentos e nos profissionais que seleciona e que promove, uma empresa de cultura forte tem critérios claros e inegociáveis. Em oposição, empresas de cultura fraca são colonizadas e dominadas pelas de cultura forte. No hino do meu Estado natal (RS) há um verso fabuloso:
“Mas não basta para ser livre
Ser forte, aguerrido e bravo
Povo que não tem virtude
Acaba por ser escravo.”
E se sua empresa não tem cultura forte? Trate de desenvolvê-la com muita disciplina ou prepare-se para ser colonizado. As melhores empresas são aquelas onde a família proprietária ou os principais acionistas têm cultura forte e selecionam pessoas que adoram esta cultura. Desenvolvem RH atuante que prepara uma escola de gestores que são “clones” dos donos. Há promoção interna e os principais gerentes e TODOS os diretores são prata da casa. Empresas fracas procuram seus dirigentes na rua, criando uma TORRE DE BABEL e submetendo-se à colonização. No médio e longo prazo, serão vendidas ou quebrarão. Trazer vez que outra alguém de fora é compreensível, mas se o número de “estrangeiros” representar mais de 10 % do quadro de dirigentes de uma companhia, ela é fraca e vai desaparecer.
Paulo Ricardo Mubarack
Marcadores:
princípios valores cultura forte
quarta-feira, julho 07, 2010
[Livro] Crime e Castigo, de Fiódor Dostoiévski
Alguns dizem que a inveja é a arma dos incompetentes. Outros, mais populares, diriam que a inveja é uma m#$%@ mesmo. Independente da opção escolhida tenho que confessar que esse pecado capital tomou conta de mim durante o contato que tive com Crime e Castigo. Eu adoraria ser capaz de começar com um papel em branco e finalizar com uma obra de mais de setecentas páginas cheias da mais pura e deliciosa literatura.
Ítalo Calvino escreveu que a única razão que se pode apresentar para ler os clássicos da literatura é que lê-los é melhor do que não lê-los. Obviamente que existem clássicos que podem agradar e outros que não, dependendo do gosto do leitor. Crime e Castigo representou praticamente minha primeira incursão por essa riqueza. E eu não poderia ter começado melhor.
A impressão que se tem ao ler a obra de Dostoiévski é que ele tinha muita coisa a dizer sobre comportamento humano e resolveu fazê-lo por meio de um livro. Temas como inveja, maldade, riqueza, pobreza, loucura e vaidade (entre outros) são discutidos e analisados de forma preciosa.
Crime e Castigo é de leitura agradável, não muito simples, exige concentração, principalmente nos diálogos. Não prende o leitor da primeira à última página, titubeia em alguns pontos, tornando-se até um pouco cansativo. Páginas à frente, entretanto, o leitor volta a sentir aquela gostosa sensação de estar aprendendo e ao mesmo tempo tendo uma leitura prazerosa. Indispensável àqueles que realmente amam a boa literatura.
Link: Crime e Castigo no Skoob
quarta-feira, junho 23, 2010
Dicionário Analógico da Língua Portuguesa
Na edição 2169 da revista Veja, na seção "Veja Recomenda", me deparei com a indição de um dicionário curioso: DICIONÁRIO ANALÓGICO DA LÍNGUA PORTUGUESA. O que seria um dicionário analógico? Foi a primeira pergunta que fiz. No próprio texto da Veja já comecei a obter informações importantes ( http://veja.abril.com.br/160610/veja-recomenda.shtml ):
DICIONÁRIO ANALÓGICO DA LÍNGUA PORTUGUESA, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo (Lexikon; 800 páginas; 69,90 reais)
Nos dicionários convencionais, consulta-se uma palavra em busca de sua definição. O dicionário analógico oferece o caminho inverso: o consulente parte de um conceito (ou de uma vaga ideia) para chegar às palavras. Os verbetes oferecem verdadeiras nuvens de palavras que vão puxando uma a outra: a partir de "conselho", por exemplo, chega-se aos triviais "parecer, assessoria, consulta" e também aos mais remotos "parênese" e "temperilha". O leitor precisa adquirir um certo traquejo para manejar o dicionário. Mas, uma vez acostumado, descobrirá um instrumento indispensável, especialmente na hora de redigir um texto. O dicionário analógico – ou Thesaurus – é de uso corrente nos países de língua inglesa, popularizado desde o século XIX pelo lexicógrafo Peter Mark Roget. No Brasil, ao contrário, o dicionário de Francisco Azevedo (1875-1942), o único em sua categoria, foi publicado postumamente em 1950 – e só agora ganha uma segunda edição atualizada. Espera-se que não desapareça mais
Pesquisando o assunto na internet, encontrei dois artigos excelentes sobre o assunto, publicado no Jornal Zero Hora, pelo colunista Claudio Moreno ( http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2091334.xml&template=3916.dwt&edition=10394§ion=1029 e http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2121621.xml&template=3898.dwt&edition=10480§ion=1029):
O dicionário analógico
Enquanto meus amigos trocavam reminiscências sobre o futebol gaúcho da nossa infância, eu atiçava, distraído, o fogo da churrasqueira, esperando que a lenha se transformasse em brasa bem viva. Embora eu goste deste esporte, sinto um tédio mortal sempre que a conversa descamba para o terreno da tática e vira uma acalorada discussão sobre o aproveitamento de jogadores e esquemas alternativos. No fundo, aprecio um bom jogo assim como aprecio um bom livro, mas não tenho paciência para ficar ouvindo teses sobre um ou sobre o outro.
Desta vez, no entanto, acabou sobrando para mim: o tema eram os fardamentos de nossos clubes, com suas cores designadas por termos tradicionais da heráldica, como o alvinegro, o auricerúleo, o rubro-negro, e alguém lembrou o Grêmio Bagé, cujas cores – o amarelo e o preto – eram descritas também por um desses compostos de sabor parnasiano que ninguém ali da roda conseguia recordar. Perguntaram se eu conhecia; confessei que nunca tinha ouvido falar nisso, mas que, desde que ficassem cuidando o fogo, eu iria olhar no dicionário e logo os ajudaria a encontrar a resposta. Levei uma vaia. Como é que eu iria catar no dicionário uma palavra que eu nunca tinha visto ou ouvido? Em que letra eu ia começar a pesquisa? Como ia descobrir, dentre as duas mil e poucas páginas do Houaiss, aquela em que a desejada palavra se escondia? Pois é muito simples – para quem conhece o caminho. Este é o meu assunto de hoje.
Como qualquer bípede falante, eu tenho dois tipos de vocabulário: o ativo, que é composto pelas palavras que efetivamente consigo mobilizar na hora de falar ou escrever, e o passivo, muito mais extenso, que reúne também aquelas palavras que sou capaz de reconhecer quando as vejo empregadas por alguém. A passagem do passivo para o ativo é um processo de amadurecimento que inicia quando encontro uma palavra desconhecida. Na primeira vez não lhe dou muita atenção, mas encontros sucessivos começam a torná-la familiar; com o tempo, eu passo a reconhecê-la sempre que a vejo e já a saúdo com desenvoltura: ela acaba de entrar no meu vocabulário passivo e, dependendo da freqüência com que nos virmos, um dia vou me lembrar dela na hora em que estiver compondo uma frase – e pronto! Ela terá se tornado ativa.
Ora, enquanto uma palavra não migrar do estoque passivo para o ativo, ela pode provocar a mesma situação aflitiva em que se encontravam os meus parceiros de churrasco: eles sabiam que existia um termo exato para o que desejavam expressar, mas não conseguiam recuperá-lo na memória – o que tornava inútil, portanto, um dicionário comum, organizado em ordem alfabética. Como recuperar a palavra que fugiu? O processo de busca é o mesmo que usamos para telefones. Imagine, caro leitor, que você sofre de má-digestão e um amigo mencionou um especialista de mão-cheia, anotando o telefone do consultório num papelzinho – o qual, como era de esperar, você perdeu logo em seguida. Como o catálogo telefônico é inútil, já que você não lembra o nome do médico, a solução é recorrer às páginas amarelas, em que os profissionais estão agrupados por afinidade. Você vai na seção “Médicos” e ali localiza, reunidos numa lista, os gastroenterologistas. Pronto! Basta examinar rapidamente os cinqüenta nomes ali relacionados, e você vai encontrar – e reconhecer – o nome que tinha perdido.
No caso das palavras, quem faz as vezes das páginas amarelas é o dicionário analógico (ou ideológico). Nele, os vocábulos não estão relacionados em ordem alfabética, mas sim agrupados de acordo com o seu significado, seguindo uma classificação sugerida por Peter Roget, um cientista inglês do século 19 que fez para a linguagem o que Lineu fez para a Botânica: dividiu a realidade em várias categorias hierarquizadas e por elas distribuiu as palavras por afinidade. Em cada seção vêm registrados todos os vocábulos referentes ao mesmo campo semântico, agrupados em classes gramaticais (substantivos, adjetivos, verbos, advérbios). Uma vez localizada a categoria que nos interessa, basta ler a lista – como nas páginas amarelas – e vamos reconhecer a palavra perseguida. Foi fácil solucionar o caso do fardamento do Grêmio Bagé: abri o dicionário analógico na grande categoria das cores e fui direto à seção do amarelo. Como eu não conhecia a palavra, comecei a ler em voz alta todos os itens da relação até que – bingo! – todos saltaram quando cheguei a jalde (que, como averigüei mais tarde, é o esquisito nome que a heráldica usa para amarelo). Era a resposta: o Grêmio Bagé era tratado na crônica desportiva como “o jalde-negro” (cruzes!). Não preciso dizer que meu dicionário imediatamente se tornou o objeto da curiosidade (e da inveja) dos meus amigos, que queriam saber mais sobre ele. O resto eu conto depois.
Na coluna anterior, mostrei como funciona um dicionário analógico, utilíssima ferramenta que tem uma estrutura semelhante à das páginas amarelas da lista telefônica e nos permite recuperar aquele vocábulo preciso que costumamos esquecer bem na hora em que precisamos dele. Conhecendo o gosto e o interesse que meus leitores têm pelas palavras, tinha certeza de que não estava pregando aos peixes – e, com efeito, não foram poucos os que escreveram para perguntar onde poderiam adquirir esta novidade.
Fico constrangido em dizer que esta “novidade” já era conhecida na Antiguidade, quando Júlio Pólux, um estudioso de Alexandria, organizou, por volta de 180 D.C, o seu Onomasticon, um dicionário de palavras e expressões agrupadas por assunto. Na Idade Média e no Renascimento houve várias imitações sem maior importância, até que, em 1852, Peter Mark Roget, médico britânico, lançou o seu Tesouro de Palavras e Frases Inglesas, classificadas e distribuídas de modo a facilitar a Expressão das Idéias e auxiliar a Composição Literária, conhecido até hoje, no mundo anglo-saxão, pela primeira palavra de seu extenso título (em Inglês, Thesaurus). No prefácio à sua obra, que se tornou o modelo dos dicionários analógicos modernos, o bom doutor descreve com grande acuidade a frustração que sentimos quando, apesar de todo nosso esforço, a palavra que queríamos não atende ao nosso apelo: “Como os espíritos da vasta profundeza, ela não vem quando chamamos, e somos obrigados a empregar palavra ou expressão que ou é genérica demais, ou limitada demais, ou exagerada, ou insuficiente, ou que não se adapta à ocasião e que não acerta no alvo que tínhamos em mente” – a mesma situação que Mark Twain, sempre irreverente, comparou à decepção de um apaixonado que, em vez de se encontrar com sua amada, tem de se contentar com a prima dela.
Quase um século atrás, em 1936, a nossa Editora Globo publicou o primeiro dicionário deste tipo em Português, o Dicionário Analógico; Tesouro de Vocábulos e Frases da Língua Portuguesa, do padre Carlos Spitzer, alemão que veio para o Brasil ainda menino; na década de 50 saiu uma segunda edição, com várias tiragens, mas a obra, claramente inspirada pelo dicionário de Roget (até no título), acabou vendida ao desbarato nos caixotes da Feira do Livro de Porto Alegre. Em 1946 saiu em Portugal o Dicionário Analógico de Artur Bivar, que eu consultava, quando podia, na Biblioteca Central da UFRGS, mas que agora, depois de 15 anos de persistência, finalmente localizei num sebo de Minas Gerais. Mais recente e mais fácil de encontrar – e também mais completo – é o Dicionário Analógico da Língua Portuguesa, do professor goiano Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, editado na década de 70 pela Editora Coordenada, de Brasília, com um número desconhecido de tiragens posteriores. Todos os três estão esgotados e parece não haver editor interessado em reimprimi-los – o que, aliás, é muito compreensível, já que o público leitor não vai procurar algo que nem sequer sabe que existe. Os felizes proprietários de um analógico, no entanto, não o emprestam, não o trocam e não o vendem por nada.
Na semana passada, tive novamente de recorrer a eles a fim de recuperar um vocábulo que me tinha escapado. Numa brincadeira com um amigo, imaginei uma cerimônia em que ele leria solenemente um conhecido poema gauchesco, enquanto um pequeno coral cantaria em surdina o Hino Rio-Grandense sem pronunciar as palavras da letra, isto é, apenas entoando a melodia com os lábios cerrados. Embora não seja um especialista no canto lírico, como meu prezado Luiz Osvaldo Leite, eu sabia que existe um termo específico que descreve este tipo de execução – mas quem disse que eu conseguia lembrar? Não hesitei em baixar da estante os três analógicos, sabendo que palavra alguma resistiria a tamanha artilharia combinada – e não deu outra! Enfiado entre monodiar, cantarolar, trautear, cantar a capella, modular, vocalizar, gargantear, gorjear, cantarinhar e cantorejar, lá estava o que eu buscava: cantar a boca chiusa, que os dicionários usuais definem como “cantar com a boca fechada, transferindo a ressonância para a região nasal”. Feliz com mais essa pequena vitória sobre o esquecimento, repus carinhosamente na estante os meus três fiéis mosqueteiros. Sou obrigado a reconhecer que, para mim, essa sensação de finalmente atinar com a palavra há tempos perdida – um misto de orgulho e alívio – é um dos maiores prazeres que encontro no meu trato contínuo com o dicionário.
Professor, doutor em Letras, cmoreno@terra.com.br
CLÁUDIO MORENO
Agora, cá estou eu com meu exemplar do DICIONÁRIO ANALÓGICO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Confesso que ainda um pouco perdido. Creio que com o tempo fique mais fácil buscar o que se deseja. Acredito que a editora poderia ter utilizado capa dura, mas isso não desmerece a iniciativa. Tenho certeza que será uma ferramenta muito útil, ou como acabei de pesquisar, uma ferramenta muito necessária, proveitosa, instrumental, preciosa, inapreciável, frutuosa, prestável, fruticosa, frutífera, frutescente, frugífera, profícua, proficiente ...
DICIONÁRIO ANALÓGICO DA LÍNGUA PORTUGUESA, de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo (Lexikon; 800 páginas; 69,90 reais)
Nos dicionários convencionais, consulta-se uma palavra em busca de sua definição. O dicionário analógico oferece o caminho inverso: o consulente parte de um conceito (ou de uma vaga ideia) para chegar às palavras. Os verbetes oferecem verdadeiras nuvens de palavras que vão puxando uma a outra: a partir de "conselho", por exemplo, chega-se aos triviais "parecer, assessoria, consulta" e também aos mais remotos "parênese" e "temperilha". O leitor precisa adquirir um certo traquejo para manejar o dicionário. Mas, uma vez acostumado, descobrirá um instrumento indispensável, especialmente na hora de redigir um texto. O dicionário analógico – ou Thesaurus – é de uso corrente nos países de língua inglesa, popularizado desde o século XIX pelo lexicógrafo Peter Mark Roget. No Brasil, ao contrário, o dicionário de Francisco Azevedo (1875-1942), o único em sua categoria, foi publicado postumamente em 1950 – e só agora ganha uma segunda edição atualizada. Espera-se que não desapareça mais
Pesquisando o assunto na internet, encontrei dois artigos excelentes sobre o assunto, publicado no Jornal Zero Hora, pelo colunista Claudio Moreno ( http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2091334.xml&template=3916.dwt&edition=10394§ion=1029 e http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2121621.xml&template=3898.dwt&edition=10480§ion=1029):
O dicionário analógico
Enquanto meus amigos trocavam reminiscências sobre o futebol gaúcho da nossa infância, eu atiçava, distraído, o fogo da churrasqueira, esperando que a lenha se transformasse em brasa bem viva. Embora eu goste deste esporte, sinto um tédio mortal sempre que a conversa descamba para o terreno da tática e vira uma acalorada discussão sobre o aproveitamento de jogadores e esquemas alternativos. No fundo, aprecio um bom jogo assim como aprecio um bom livro, mas não tenho paciência para ficar ouvindo teses sobre um ou sobre o outro.
Desta vez, no entanto, acabou sobrando para mim: o tema eram os fardamentos de nossos clubes, com suas cores designadas por termos tradicionais da heráldica, como o alvinegro, o auricerúleo, o rubro-negro, e alguém lembrou o Grêmio Bagé, cujas cores – o amarelo e o preto – eram descritas também por um desses compostos de sabor parnasiano que ninguém ali da roda conseguia recordar. Perguntaram se eu conhecia; confessei que nunca tinha ouvido falar nisso, mas que, desde que ficassem cuidando o fogo, eu iria olhar no dicionário e logo os ajudaria a encontrar a resposta. Levei uma vaia. Como é que eu iria catar no dicionário uma palavra que eu nunca tinha visto ou ouvido? Em que letra eu ia começar a pesquisa? Como ia descobrir, dentre as duas mil e poucas páginas do Houaiss, aquela em que a desejada palavra se escondia? Pois é muito simples – para quem conhece o caminho. Este é o meu assunto de hoje.
Como qualquer bípede falante, eu tenho dois tipos de vocabulário: o ativo, que é composto pelas palavras que efetivamente consigo mobilizar na hora de falar ou escrever, e o passivo, muito mais extenso, que reúne também aquelas palavras que sou capaz de reconhecer quando as vejo empregadas por alguém. A passagem do passivo para o ativo é um processo de amadurecimento que inicia quando encontro uma palavra desconhecida. Na primeira vez não lhe dou muita atenção, mas encontros sucessivos começam a torná-la familiar; com o tempo, eu passo a reconhecê-la sempre que a vejo e já a saúdo com desenvoltura: ela acaba de entrar no meu vocabulário passivo e, dependendo da freqüência com que nos virmos, um dia vou me lembrar dela na hora em que estiver compondo uma frase – e pronto! Ela terá se tornado ativa.
Ora, enquanto uma palavra não migrar do estoque passivo para o ativo, ela pode provocar a mesma situação aflitiva em que se encontravam os meus parceiros de churrasco: eles sabiam que existia um termo exato para o que desejavam expressar, mas não conseguiam recuperá-lo na memória – o que tornava inútil, portanto, um dicionário comum, organizado em ordem alfabética. Como recuperar a palavra que fugiu? O processo de busca é o mesmo que usamos para telefones. Imagine, caro leitor, que você sofre de má-digestão e um amigo mencionou um especialista de mão-cheia, anotando o telefone do consultório num papelzinho – o qual, como era de esperar, você perdeu logo em seguida. Como o catálogo telefônico é inútil, já que você não lembra o nome do médico, a solução é recorrer às páginas amarelas, em que os profissionais estão agrupados por afinidade. Você vai na seção “Médicos” e ali localiza, reunidos numa lista, os gastroenterologistas. Pronto! Basta examinar rapidamente os cinqüenta nomes ali relacionados, e você vai encontrar – e reconhecer – o nome que tinha perdido.
No caso das palavras, quem faz as vezes das páginas amarelas é o dicionário analógico (ou ideológico). Nele, os vocábulos não estão relacionados em ordem alfabética, mas sim agrupados de acordo com o seu significado, seguindo uma classificação sugerida por Peter Roget, um cientista inglês do século 19 que fez para a linguagem o que Lineu fez para a Botânica: dividiu a realidade em várias categorias hierarquizadas e por elas distribuiu as palavras por afinidade. Em cada seção vêm registrados todos os vocábulos referentes ao mesmo campo semântico, agrupados em classes gramaticais (substantivos, adjetivos, verbos, advérbios). Uma vez localizada a categoria que nos interessa, basta ler a lista – como nas páginas amarelas – e vamos reconhecer a palavra perseguida. Foi fácil solucionar o caso do fardamento do Grêmio Bagé: abri o dicionário analógico na grande categoria das cores e fui direto à seção do amarelo. Como eu não conhecia a palavra, comecei a ler em voz alta todos os itens da relação até que – bingo! – todos saltaram quando cheguei a jalde (que, como averigüei mais tarde, é o esquisito nome que a heráldica usa para amarelo). Era a resposta: o Grêmio Bagé era tratado na crônica desportiva como “o jalde-negro” (cruzes!). Não preciso dizer que meu dicionário imediatamente se tornou o objeto da curiosidade (e da inveja) dos meus amigos, que queriam saber mais sobre ele. O resto eu conto depois.
Na coluna anterior, mostrei como funciona um dicionário analógico, utilíssima ferramenta que tem uma estrutura semelhante à das páginas amarelas da lista telefônica e nos permite recuperar aquele vocábulo preciso que costumamos esquecer bem na hora em que precisamos dele. Conhecendo o gosto e o interesse que meus leitores têm pelas palavras, tinha certeza de que não estava pregando aos peixes – e, com efeito, não foram poucos os que escreveram para perguntar onde poderiam adquirir esta novidade.
Fico constrangido em dizer que esta “novidade” já era conhecida na Antiguidade, quando Júlio Pólux, um estudioso de Alexandria, organizou, por volta de 180 D.C, o seu Onomasticon, um dicionário de palavras e expressões agrupadas por assunto. Na Idade Média e no Renascimento houve várias imitações sem maior importância, até que, em 1852, Peter Mark Roget, médico britânico, lançou o seu Tesouro de Palavras e Frases Inglesas, classificadas e distribuídas de modo a facilitar a Expressão das Idéias e auxiliar a Composição Literária, conhecido até hoje, no mundo anglo-saxão, pela primeira palavra de seu extenso título (em Inglês, Thesaurus). No prefácio à sua obra, que se tornou o modelo dos dicionários analógicos modernos, o bom doutor descreve com grande acuidade a frustração que sentimos quando, apesar de todo nosso esforço, a palavra que queríamos não atende ao nosso apelo: “Como os espíritos da vasta profundeza, ela não vem quando chamamos, e somos obrigados a empregar palavra ou expressão que ou é genérica demais, ou limitada demais, ou exagerada, ou insuficiente, ou que não se adapta à ocasião e que não acerta no alvo que tínhamos em mente” – a mesma situação que Mark Twain, sempre irreverente, comparou à decepção de um apaixonado que, em vez de se encontrar com sua amada, tem de se contentar com a prima dela.
Quase um século atrás, em 1936, a nossa Editora Globo publicou o primeiro dicionário deste tipo em Português, o Dicionário Analógico; Tesouro de Vocábulos e Frases da Língua Portuguesa, do padre Carlos Spitzer, alemão que veio para o Brasil ainda menino; na década de 50 saiu uma segunda edição, com várias tiragens, mas a obra, claramente inspirada pelo dicionário de Roget (até no título), acabou vendida ao desbarato nos caixotes da Feira do Livro de Porto Alegre. Em 1946 saiu em Portugal o Dicionário Analógico de Artur Bivar, que eu consultava, quando podia, na Biblioteca Central da UFRGS, mas que agora, depois de 15 anos de persistência, finalmente localizei num sebo de Minas Gerais. Mais recente e mais fácil de encontrar – e também mais completo – é o Dicionário Analógico da Língua Portuguesa, do professor goiano Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, editado na década de 70 pela Editora Coordenada, de Brasília, com um número desconhecido de tiragens posteriores. Todos os três estão esgotados e parece não haver editor interessado em reimprimi-los – o que, aliás, é muito compreensível, já que o público leitor não vai procurar algo que nem sequer sabe que existe. Os felizes proprietários de um analógico, no entanto, não o emprestam, não o trocam e não o vendem por nada.
Na semana passada, tive novamente de recorrer a eles a fim de recuperar um vocábulo que me tinha escapado. Numa brincadeira com um amigo, imaginei uma cerimônia em que ele leria solenemente um conhecido poema gauchesco, enquanto um pequeno coral cantaria em surdina o Hino Rio-Grandense sem pronunciar as palavras da letra, isto é, apenas entoando a melodia com os lábios cerrados. Embora não seja um especialista no canto lírico, como meu prezado Luiz Osvaldo Leite, eu sabia que existe um termo específico que descreve este tipo de execução – mas quem disse que eu conseguia lembrar? Não hesitei em baixar da estante os três analógicos, sabendo que palavra alguma resistiria a tamanha artilharia combinada – e não deu outra! Enfiado entre monodiar, cantarolar, trautear, cantar a capella, modular, vocalizar, gargantear, gorjear, cantarinhar e cantorejar, lá estava o que eu buscava: cantar a boca chiusa, que os dicionários usuais definem como “cantar com a boca fechada, transferindo a ressonância para a região nasal”. Feliz com mais essa pequena vitória sobre o esquecimento, repus carinhosamente na estante os meus três fiéis mosqueteiros. Sou obrigado a reconhecer que, para mim, essa sensação de finalmente atinar com a palavra há tempos perdida – um misto de orgulho e alívio – é um dos maiores prazeres que encontro no meu trato contínuo com o dicionário.
Professor, doutor em Letras, cmoreno@terra.com.br
CLÁUDIO MORENO
Agora, cá estou eu com meu exemplar do DICIONÁRIO ANALÓGICO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Confesso que ainda um pouco perdido. Creio que com o tempo fique mais fácil buscar o que se deseja. Acredito que a editora poderia ter utilizado capa dura, mas isso não desmerece a iniciativa. Tenho certeza que será uma ferramenta muito útil, ou como acabei de pesquisar, uma ferramenta muito necessária, proveitosa, instrumental, preciosa, inapreciável, frutuosa, prestável, fruticosa, frutífera, frutescente, frugífera, profícua, proficiente ...
Assinar:
Postagens (Atom)