sexta-feira, agosto 27, 2010

[Conto] O certo pelo duvidoso

     Ele sempre foi um homem correto. Desde criança, enquanto os amiguinhos realizavam as mais diversas travessuras, ele se mantinha ordeiro e obediente. Nunca foi bobo, apenas sabia se divertir e viver a vida de forma consciente e extremamente responsável. Orgulho dos pais, de quem herdou uma educação fina e exemplar, foi sempre querido por todos, mesmo sendo alvo constante de brincadeiras à respeito do seu jeito correto de ser.

     Estava com trinta anos, casado há cinco, ainda sem filhos. Trabalhando em uma corretora de seguros, mantinha sua postura irrepreensível tanto na vida pessoal quanto na profissional. Tinha um salário excelente e ganhava prêmios pelo seu desempenho, o que lhe permitia uma vida confortável ao lado da esposa, que foi sua primeira e única namorada. Seu casamento, como tudo em sua vida, era calmo e tranquilo. Mostrava-se sempre um marido atencioso e amável.

     Começou a sentir-se inquieto. As zoações dos amigos, enfatizando seu jeito todo certinho, começavam a lhe incomodar, coisa que nunca havia acontecido. Enquanto havia tido uma única mulher na vida, todos da turma gabavam-se de sair com diversas mulheres; novas, velhas, brancas, morenas, loiras, gostosas, solteiras, casadas ... Ultimamente estava sentindo inveja em relação a isso. Respeitava as leis de trânsito, não passava em sinal vermelho, não excedia a velocidade e não estacionava em local proibido, ao contrário de todo mundo que sempre fazia isso e nunca era flagrado. Gostava de filmes, gastava uma pequena fortuna com o pacote mais caro de tv à cabo e com DVD. Os amigos compravam filmes piratas e faziam “gato” na tv.

     Repentinamente decidiu que mudaria seu jeito. Estava cansado daquela mesmice. Estava cansado de ser o certinho. Lembrou-se, entretanto, de uma frase proferida por seu pai, “Para aqueles que nasceram com dom de serem malandros e espertos, toda traquinagem dá certo. Já aqueles que nasceram para serem certinhos, serão pegos na primeira coisa errada que fizerem”. Mesmo assim estava convicto, queria ser um pouco mais como seus amigos, queria fazer coisas erradas e rir de tudo isso junto à galera. Começou a sair sozinho, sem a esposa. Ela, de início, achou estranho, mas não se opôs devido à confiança irrestrita que tinha no marido. Seu primeiro passo foi frequentar casas de prostituição. Adorou aquele ambiente. Depois de realizar a primeira traição de sua vida, sentiu-se revigorado. Virou um vício, alimentado por visitas semanais às suas novas amantes. Passou a andar acima do limite de velocidade, ultrapassava pela direita, pela esquerda, por onde fosse possível. Quando via sinal vermelho, apenas diminuía a velocidade e passava sem remorso. Cancelou a assinatura da tv à cabo e comprou um aparelho desbloqueado em uma loja totalmente suspeita na periferia da cidade.

     Em uma de suas saídas particulares, chamou-lhe a atenção uma loira atraente e espevitada, sentada junto à algumas amigas. Quando ela foi ao banheiro, foi junto, fazendo a abordagem. Trocaram telefones, viraram amantes. Encontravam-se no melhor motel da cidade duas vezes por semana, às três e meia da tarde. Ah sim, ela era casada. Melhor ainda! E passou a viver assim desde então, tornando-se praticamente outra pessoa. Estava gostando de tudo aquilo e se arrependia por não ter dado essa reviravolta na vida mais cedo.

     Entretanto, naquela tarde de sexta-feira, lembrou-se novamente do que seu pai havia lhe falado. Tudo começou quando esqueceu seu telefone celular em cima da mesa da sala. Já na empresa, concentrado no trabalho, atende o telefone e ouve a empregada doméstica que trabalhava em sua casa dizer:

     - Doutor, o homem da tv à cabo está aqui. Disse que precisa consertar alguma coisa.
     - Não deixe ele entrar de jeito nenhum, já estou indo aí falar com ele. Não deixe ele entrar!
     - Mas doutor, ele já entrou. Segurei ele lá fora um tempão. Estava tentando ligar no seu celular mas depois percebi que ele ficou aqui.
     - Enrole ele aí, já estou indo.

     Saiu em disparada com seu carro. Ao ver o sinal vermelho, ultrapassou pelo acostamento a fila que se formava. Não viu o carro da polícia parado bem à frente do cruzamento. Foi parado. Mostrou os documentos, levou uma bela multa e atrasou-se demais. Quando conseguiu chegar em casa, deparou-se com a empregada na porta.

     - Doutor. Acho melhor o senhor não entrar.
     - Ué, porque eu não vou entrar na minha própria casa?
     - O moço da tv à cabo estava te esperando quando seu celular tocou em cima da mesa. Ele olhou e reconheceu o número. O número da mulher dele. Era ela que ficava te ligando toda hora, doutor? Ele disse que vai te matar.
     - Caramba. Vou chamar a polícia!
     - Não precisa não doutor, ele já chamou. E falou pra eles que sua tv à cabo é clandestina.

Nenhum comentário:

Estou lendo ...