quinta-feira, maio 13, 2010

[Conto] O Chifre

Casados há pouco mais de cinco anos, viviam em um apartamento de dois quartos de um bairro de classe média. Ele, trinta e seis anos recém completados, funcionário público desde os vinte, fazia o tipo intelectual. Ela, com vinte e cinco, parou de trabalhar assim que se casou e jamais se arrependeu por isso. O salário de auditor municipal era suficiente para uma vida confortável, mas sem direito a muitas regalias. Ele se julgava um homem de sorte por ter encontrado e se casado com uma mulher tão atraente. Ela, não raramente, exibia seus seios fartos em belos decotes, deixando-o orgulhoso. Apreciava também seu belo traseiro, não só ele, mas todos que a conheciam. Apesar de sentir-se bem sendo admirada e desejada, ela via a fidelidade como algo natural, que não lhe incomodava.

O ritmo de trabalho na repartição estava deixando-o cansado e estressado. Chegava tarde em casa, muitas vezes com pastas e mais pastas de papéis, motivo pelo qual avançava a madrugada trabalhando. Ela começou a reclamar de tal situação, mas entendia o esforço do marido. Como paciência tem limite, um dia brigaram feio. Ele acordou cedo e foi para o trabalho sem se despedir. No final do dia, resolveu dar uma esticada no boteco da esquina. Sentou-se e pediu uma dose de whisky, daqueles não muito caros, por favor. Bebeu uma, bebeu duas, três ... Adorava um scotch, mas ultimamente vinha exagerando na dose, ou melhor, nas doses. Chegou um homem e sentou-se ao seu lado. Percebeu que ele tinha uma aparência estranha. Nossa, o que era aquilo? O homem tinha dois chifres, bem em cima da testa. Eram pontudos e nada discretos. O curioso é que ninguém no bar havia reparado nessa peculiaridade, apenas ele. Sem nenhuma cerimônia, o homem começou a conversa explicando o motivo do chifre: estava trabalhando demais, sua mulher se cansou e arrumou outro. Achando tudo aquilo meio estranho, pagou sua conta e despedindo-se rapidamente, foi para casa.

Nunca havia visto um homem com chifre. Pelo menos não com chifre de verdade. No final do dia seguinte foi novamente ao bar, sentou-se na mesma mesa e começou a beber. Uma dose, duas doses, três doses ... Foi quando o mesmo homem sentou-se novamente ao seu lado e disse: "Está nascendo chifre em você também...". Ele levantou-se imediatamente, pagou a conta, entrou no carro. Bêbado, entrou tão rápido que bateu a cabeça. Doeu pacas. Passou a mão logo acima da testa. Olhou rapidamente no espelho retrovisor. O homem estava certo, lá estava o chifre. Ficou desesperado, transtornado. Chegando em casa, entrou correndo, não sem antes colocar um boné que carregava no porta-luvas do carro. Já no banheiro, ligou a luz, tirou o boné. Lá estava ele ... o chifre.

À partir daquele dia passou a ignorar a mulher. Não suportava a ideia da traição. Toda vez que ela lhe dirigia a palavra, recebia de volta murmúrios ininteligíveis. Não ficava mais sem boné ou chapéu, mesmo para dormir. Tirava apenas para tomar banho, mas deixou de lavar a cabeça. No trabalho virou motivo de chacota. Sempre desconfiado que alguém pudesse descobrir o seu segredo, deixou de participar das reuniões, e também do futebolzinho de quarta. Quando passava por qualquer porta, sempre se abaixava, apesar de seu risível metro e sessenta de altura. Voltou várias vezes ao boteco, como sempre bebendo uma, duas, três ou quatro doses de whisky, sempre reencontrando aquele homem misterioso.

Sem saber muito que fazer, a esposa resolveu interná-lo. Os médicos disseram ser algum surto, com remotas chances de reversão. Ele, obviamente, não gostou da ideia. Acabou aceitando, depois de emocionados apelos da mulher e dos amigos. Tinha tido tempo de avisar aquele homem sobre sua internação, que ficou até de visitá-lo, mas nunca apareceu. Sentiu falta do whisky, nos últimos meses ele vinha sendo seu melhor companheiro. Dia após dia o chifre ia sumindo, até que algumas semanas depois ele desapareceu por completo. Sentia-se bem melhor, estava animado, disposto, sem aquela ressaca costumeira dos últimos tempos. A esposa foi avisada para ir buscá-lo. Colocou um vestidinho acima do joelho, tecido bem fino, que destacava seu corpo escultural. Ficou na porta esperando. Ele veio, todo alegre e feliz por revê-la. Nem mesmo quando percebeu que os enfermeiros a olhavam com cobiça ele se alterou. Não acreditava mais que ela estivesse o traindo.

Alguns dias depois retornou ao trabalho, agora sem o chapéu. Parou de beber whisky, sentia-se muito melhor sem o álcool. Tudo voltara ao normal. Só uma coisa deixava-o inquieto. Queria reencontrar aquele homem para dizer que o chifre havia sumido. Falar que aquilo tudo devia ter sido coisa que ele mesmo colocou na cabeça. Passou várias vezes no mesmo bar, no mesmo horário. Pedia um suco de laranja com gelo e aguardava. Nunca voltou a ver aquele homem. Nunca mais voltou a ter chifre.

quarta-feira, abril 28, 2010

Eles aqui, você lá ...

Histórias sobre executivos ou profissionais super atarefados, que deixam a família de lado, preocupados apenas com o sucesso e o trabalho existem aos montes e já viraram uma espécie de clichê. Eu mesmo já escrevi um conto sobre o assunto. Gostaria, entretanto, de fazer um convite a todos. Um exercício de concentração e imaginação. Se você é casado, pense na sua esposa. Se não for, vale pensar na mamãe, na vovó ou na titia. Se você tiver filhos, ótimo, pense também neles. Se não os tiver, pense em alguma outra pessoa da qual você goste bastante.

Comece com sua vida atual, com o seu dia-a-dia. Quando acorda, faz o que? Toma café com alguém ou sozinho? Leva alguém no trabalho, na escola? Almoça com quem? Assiste ao Jornal Nacional e à novela com quem? Dorme com quem? Brinca com quem? Sonha com quem? Concentre-se nos detalhes, naquelas minúcias que acabam passando desapercebidas na correria diária. Lembre-se tanto do rosto amassado da sua mulher fazendo café de manhã quanto da carinha do seu filho querendo brincar de luta às 22:30h.

Imagine agora que você, em função de sua competência, recebeu uma interessante proposta profissional. A questão é que terá que se mudar para outra cidade, distante uns quatrocentos quilômetros de onde reside atualmente. Sua mulher te dá total apoio, mas sugere, com razão, que você vá sozinho, pelo menos durantes alguns meses, até que seja possível arrumar tudo para uma mudança definitiva. Você verá essas pessoas das quais gosta tanto apenas nos finais de semana. Não mais todo dia, de manhã, de tarde e à noite. Não tomará diariamente o café da sua mulher, não levará nem buscará seu filho na escola e nem terá que implicar com ele para escovar os dentes antes de dormir. Nada daquele futebolzinho de quarta com os amigos. Pense um pouco, tente fazer dessa história hipotética a sua história real, pelo menos por alguns segundos.

Sem medo de ser repetitivo, a verdade é que não sabemos dar valor às coisas do cotidiano, às coisas simples. Damos sempre mais importância em morarmos em uma casa maior, comprar um carro novo ou um celular de última geração. A vida é assim, infelizmente. Somos cobrados para sermos assim. Mas tente, pelo menos de vez em quando, colocar-se em uma outra posição, posição esta que lhe tiraria o que você realmente tem de mais importante em sua vida. Não estou dizendo que devemos sempre negar propostas profissinais desse tipo. Em alguns casos, o sofrimento à curto prazo compensa benefícios futuros. De qualquer forma, essa reflexão nos ajudará a não dar valor à coisas importantes somente quando as perdemos.

quarta-feira, abril 14, 2010

[Livro] Feitiço de Amor de Outros Contos, de Ludwig Tieck

Ludwig Tieck, escritor alemão do século XIX, foi um dos expoentes da primeira geração do movimento romântico alemão. Essa primeira edição brasileira do autor traz seis contos bem ao estilo fantasioso, com fortes traços de contos de fadas, cheios de elfos, personagens imaginários, luzes, seres fantásticos. No entanto, essas característica acabam servindo apenas de ferramenta e pano de fundo para narrar histórias deliciosamente escritas, focando em uma série de sentimentos humanos como raiva, perdão, amor e ódio, entre outros.

Menção especial deve ser dada às tradutoras Maria Aparecida Barbosa e Karin Volobuef, que conseguiram de forma mágica transpor toda essa essência na conversão do texto do Alemão para o Português.

Leitura bastante agradável, vocabulário riquíssimo e inspirador. Indico sem nenhuma sombra de dúvida.

Link do livro no Skoob

quinta-feira, março 04, 2010

Por que ler os clássicos, Ítalo Calvino

O escritor italiano Italo Calvino (1923-1985), em seu livro Por que ler os clássicos [São Paulo: Companhia das Letras, 1993, pp. 9-16], propõe algumas definições muito interessantes de clássico:

"1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: 'Estou relendo...' e nunca 'Estou lendo...'.

2. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.

3. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.

4. Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.

5. Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.

6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.

7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).

8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe.

9. Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.

10. Chama-se de clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs.

11. O 'seu' clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele.

12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê aquele, reconhece logo o seu lugar na genealogia.

13. É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.

14. É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível."

Por fim, acrescenta:

"[...] que não se pense que os clássicos devem ser lidos porque 'servem' para qualquer coisa. A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos."

Fonte: http://www.classicosabrilcolecoes.com.br/colecao.php

quarta-feira, março 03, 2010

[Livro] Jornal Nacional - Modo de Fazer, de William Bonner


Este é, definitivamente, um livro que merece ser lido. Não só lido, mas apreciado. O material utilizado na confecção do livro é de excelente qualidade, proporcionando um "contato" muito gostoso com as páginas. Com uma qualidade gráfica espetacular, mostra-se bem rico também em fotos.
Dividido em capítulos muito bem pensados e organizados, o livro permite ao leitor uma viagem aos bastidores do mais importante telejornal brasileiro. Bonner utiliza de exemplos muito claros para descrever situações pelas quais toda a equipe do JN passa no dia-a-dia. Ao contrário do que muitos pensam, existe um trabalho incansável, que envolve inúmeras pessoas praticamente o dia todo.

Importante também destacar a humildade do autor ao citar algumas situações em que seus próprios erros poderiam ter gerado situações constrangedoras. Com isso, enfatiza o papel da equipe e também descreve com propriedade a importância de uma hierarquia profissional.

Enfim, leitura indicadíssima a todos, tanto àqueles da área de jornalismo quanto aos que sempre tiveram o Jornal Nacional como sua ferramenta diária para ver o que de mais importante aconteceu no Brasil e no mundo.

segunda-feira, março 01, 2010

Natura: sabonetes em pencas, pra fatiar, em gomos e em lascas

Existem empresas que nasceram para serem admiradas. Uma delas é a Natura. Depois de passar por um período de incertezas, conseguiu retomar as rédeas de seu próprio destino, focando sempre em sua cultura e na inovação.

Apenas para citar um exemplo, enquanto os concorrentes contentavam-se em lançar produtos em outros formatos ou com outras fragrâncias, a Natura lançou a linha Ekos, baseada no conceito de sustentabilidade, usando matérias-prima fornecidas por pequenos grupos de pessoas que vivem na Amazônia. Com isso, passou a vender não somente seus produtos e sim uma "aura" de empresa verde, responsável, honesta, justa. Pode até ser que alguém não compre um sabonete da Natura pura e simplesmente em função dessa postura, mas isso vale no mínimo como critério de desempate na escolha do cliente.

Mostrando-se um nascedouro sem fim de novas ideias, a Natura está lançando novos produtos da linha Ekos. Alguns, em especial, me chamaram a atenção:

Sabonete em penca sortidos 
Sabonete para fatiar de cupuaçu 

Sabonete em gomos de cacau


Sabonete em lascas de murumuru

Enquanto os outros continuam pensando em novas fórmulas, novos cheiros, novas cores e novas embalagens, a Natura simplesmente "inventa" novos sabonetes. Não espera que uma demanda surja, ela a cria. Estabelece diferenciais. Nenhuma outra empresa terá para oferecer a seus clientes sabonetes em penca, pra fatiar, em gomos ou em lascas. Em função desse pioneirismo poderá, obviamente, cobrar mais caro por estes produtos. Agrega valor ao que já fabrica. É mais ou menos como vender café solúvel no lugar de café em grãos. O produto é o mesmo, mas a empresa agregou valor, cobrará mais caro por isso. A Natura, mais uma vez, sai na frente.

quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Entre contratados e demitidos, não salvaram-se todos ...

Há três anos, em uma empresa como qualquer outra, a semana iniciou-se de forma totalmente normal. Apenas aparência. O fantasma da instabilidade que vinha rondando os funcionários se materializou logo na segunda-feira. Sem muita explicação e sem margem para muitos questionamentos, seis colaboradores foram dispensados. Alguns com anos de casa, outros com menos de seis meses. Aqueles que ficaram não viram nenhuma injustiça naqueles desligamentos. O problema principal era a falta de transparência. Nenhum comunicado divulgado. Nenhuma explicação. Os critérios não eram claros, o que mantinha uma arraigada sensação de insegurança, criando um ambiente de dúvida e medo.

Rezam as cartilhas da boa administração que um turnover alto não é bom sinal. A constante troca de funcionários além de deixar a todos inseguros, contribui para uma baixa perfomance tanto daqueles que entram, pois demoram a produzir, quanto daqueles que precisam continuamente e repetidamente ensinar as tarefas aos mais novos. Apesar dessa obviedade e clareza, esta não era uma preocupação importante
naquela empresa. Contratavam e demitiam sem nenhuma parcimônia, algumas vezes com razão, outras nem tanto.

A cada funcionário novo, repetia-se o ritual de ensinar-lhe a usar corretamente os sistemas, explicava-lhe os processos do departamento e era apresentado a seus superiores, subordinados e colegas. Natural que para isso fosse necessário que um funcionário com mais tempo de casa se ausentasse de suas atividades normais. Seria tudo isso normal caso não acontecesse várias vezes, muitas delas no mesmo departamento, para a mesma função.

A raiz do problema era o processo de seleção. Anunciava-se a vaga, recebiam-se os currículos, que eram analisados e filtrados, finalizando com as tão famosas entrevistas. Nenhuma novidade. Os critérios, ou talvez a prioridade entre eles, é que não eram os mais corretos. Muitas vezes oferecia-se um salário baixo para um cargo de coordenação. Apareciam bons candidatos mas sem a vivência necessária. Eram contratados como apostas, pelo potencial. Inúmeras vezes apostas erradas, que resultam em mais uma demissão, mais um processo seletivo, mais um funcionário e mais um processo de adaptação. Todo o departamento sofria, toda a empresa sentia. Em outras situações candidatos no máximo razoáveis eram contratados como salvadores da pátria em função da baixa exigência salarial e também da urgência em recompor uma equipe. Na maioria dos casos eram desligados com menos de seis meses de trabalho.

Outro realidade chamava a atenção. Alguns funcionários com anos de casa que não estavam mais apresentando bom rendimento eram tolerados de forma exagerada. Mesmo com baixa produtividade, falta de senso de urgência e dificuldades em trabalhar em equipe se achavam merecedores de regalias e no direito de se sentirem superiores aos outros. Contaminavam os mais novos, o que invariavelmente causavam novas demissões. Além disso, em função da fraca e amadora política de retenção de talentos, não raro excelentes funcionários, exauridos com o ambiente de trabalho ruim, com a sobrecarga gerada pela incompetência de outros e com a falta de perspectivas acabam se transferindo para outras empresas.

Curioso para saber como anda esta empresa atualmente? Está em decadência? Faliu? Foi comprada pelo concorrente? Não. Nenhuma das alternativas. Continua funcionando bem, aliás, muito bem. Realizaram mudanças drásticas na gestão de pessoas? Não. Continuam trabalhando da mesma forma. Como explicar então que o sucesso seja possível mesmo com uma gestão totalmente em desacordo com as melhores práticas? Pergunta interessante, resposta difícil. O primeiro argumento é que esta empresa tem inúmeras outras qualidades, tanto em sua cultura e processos quanto nos funcionários que lá trabalham. Excelentes profissinais, em nível executivo, de gerência e operacional dão o melhor de si, conseguindo bons resultados. O mercado em que ela atua está em excelente fase, possibilitando excelentes margens de lucro. A concorrência possivelmente apresenta a maioria dos mesmos problemas. Nesse contexto, a empresa vai continuar bem. Até que surja alguém fazendo diferente ... e melhor.

terça-feira, fevereiro 09, 2010

Ser (bonzinho) ou não ser, eis a questão.

Atualmente não há mais espaço para chefes tiranos, que tratam seus funcionários hora com indiferença, hora com falta de educação e humanidade. Mas que eles existem, existem. E continuarão sempre a existir porque essas (más) características são inerentes a alguns seres humanos, sejam eles chefes ou não. São exacerbadas e trazidas à tona quando tais indivíduos assumem posições de coordenação ou gerência.

Tenho convicção que o principal papel de um líder é conciliar os objetivos da empresa com os de seus subordinados. Não deve assumir o papel de defensor dos fracos e oprimidos mas também deve ser capaz de analisar até que ponto uma solicitação atendida pode indiretamente ser também a melhor opção para a empresa. Se um funcionário pede aumento, o líder reconhece seu merecimento e acha importante atendê-lo para evitar perdê-lo, nada mais coerente do que lutar para que seja atendido. Por outro lado, um funcionário que vem faltando e atrasando rotineiramente, mesmo que tenha seus motivos para isso, deve ser avisado que tal situação prejudica a empresa e também o ambiente de trabalho dentro da equipe.

Partindo do pressuposto que o chefe não deve ser um troglodita, surge a questão: até que ponto ele deve ser bonzinho? Em que situações deve assumir uma postura mais rigorosa e instransigente, dando maior ênfase aos objetivos da instituição? É uma questão muito delicada porque envolve a cultura da empresa e também a personalidade do líder. Inicialmente devemos considerar que é complicado um líder trabalhar e ser feliz em uma empresa em que os valores e ideais não sejam os mesmos que os seus. Claro que não há nunca 100% de coincidência entre os dois lados, mas caso as diferenças sejam grandes, a relação que vai existir entre ambos é de instabilidade. Aos primeiros sinais de insucesso, independente dos motivos, o resultado será a saída ou a demissão.

Pensando então em uma empresa que dê pelo menos uma razoável importância ao ser humano e que o líder tenha as mesmas características, até que ponto a preocupação em agradar os funcionários pode ser benéfica? A primeira varíavel que deve ser considerada é o tamanho da equipe. Em grandes equipes torna-se inviável conversar e entender individualmente os problemas de cada um. Fica também muito mais complicado evitar a sensação de que alguns subordinados estão tendo vantagens. O risco é que, diante de tal situação, toda a equipe passe a exigir as mesmas "regalias" que porventura tenham sido cedidas a algum deles. Nesse cenário é indispensável que existam mais regras formais e que o líder adote uma postura de não permitir exceções, sendo tolerante e permissivo somente em situações de força maior como aquelas que envolvam doenças ou problemas pessoais graves.

A liderança sobre equipes menores permite abordagens mais individualizadas. É justamente aí que mora o perigo. A proximidade com cada membro da equipe tende a criar um ambiente de informalidade, criando brechas para uma "amizade" perigosa. Nada contra, obviamente, um líder ser amigo pessoal de seus subordinados. A "amizade" à qual me refiro é aquela onde pequenos deslizes são deixados de lado e baixos rendimentos não têm a reação que merecem. Nesse sentido, o líder deve ter uma vigilância constante sobre o seu próprio comportamento, sob pena de se transformar em um excelente chefe para os funcionários e um péssimo funcionário para empresa que paga seu salário.

sexta-feira, fevereiro 05, 2010

[Livro] Se eu fechar os olhos agora, de Edney Silvestre

Depois de um início meio sonolento e sem motivação, "Se eu fechar os olhos agora" pega ritmo e prende a atenção. Escrita de forma muito simples e direta, usando e abusando de diálogos curtos, a história é original e interessante.

Edney Silvestre, repórter da Globo, demonstra muito talento ao descrever as angústias, as curiosidades e a coragem de dois meninos de 12 anos junto a um velho que mora no asilo da pequena cidade do interior do Rio de Janeiro. Narrando a busca dos personagens pelo esclarecimento de um crime misterioso, o autor mostra com muita propriedade os hábitos e a cultura do Brasil da década de 60.

A leitura é agradável, leve, fácil e rápida. O final é muito prazeroso, não exatamente pelo que foi escrito, mas pela forma com a qual foi escrito.

quarta-feira, janeiro 27, 2010

[Livro] O Símbolo Perdido


Quando uma pessoa vai ao cinema assistir a um filme do 007 ou Missão Impossível já sabe (ou pelo menos deveria saber) que vai encontrar uma série de situações que desafiam a lógica e que só são possíveis em Hollywood. Não adianta sair do cinema reclamando que o filme tem muita mentira.

O mesmo acontece com os leitores de Dan Brown. Desde "Anjos e Demônios" e "O Código da Vinci", passando por "Fortaleza Digital" e "Ponto de Impacto", o autor usa e abusa de sua criatividade criando situações e acontecimentos inverossímeis, totalmente desconectados do mundo real. Isso não é um defeito, é apenas uma característica do autor, um estilo. Cabe a cada um gostar ou não.

"O Símbolo Perdido" é Dan Brown no melhor estilo Dan Brown. Houve um intervalo muito grande depois do lançamento de "O Código da Vinci" (sim, "Anjos e Demônios" foi escrito antes), tempo suficiente para o autor exercitar seu talento e fazer suas pesquisas, criando uma história cheia de detalhes, minúcias e pormenores. O tema central gira em torno de mistérios da Maçonaria, com o herói Robert Landon usando seus conhecimentos em simbologia para ajudar importantes maçons e a CIA a evitar mortes e revelações bombásticas.

Brown sabe como poucos prender o leitor ao livro. Capítulos curtos, sempre finalizados de forma a despertar a curiosidade. O leitor que gosta deste estilo vai se envolvendo e não encontra "brecha" para interromper a leitura.

O livro é bom, apesar de um certo surto exagerado de imaginação do autor. O fim é meio decepcionante, o tão propalado mistério sobre o qual a história toda se refere acaba se mostrando algo simples e trivial. De qualquer forma é garantia de bons momentos de diversão e leitura agradável.

sexta-feira, janeiro 15, 2010

[Livro] O Andar do Bêbado


Qual a probabilidade de você gostar de um livro há meses na lista dos mais vendidos e sobre um assunto que lhe interessa bastante ? Em "O Andar do Bêbado", probabilidades, estatísticas e principalmente o papel do acaso na vida das pessoas são os principais temas. Respondendo a questão acima, as chances são muito grandes de que você goste muito, mas da mesma forma que os estatísticos e matemáticos erram em suas previsões, eu falhei ao ter certeza que iria me encantar com o livro de Mlodinow.

A verdade é que o livro não é ruim, pelo contrário, é bem escrito, muito bem fundamentado, com inúmeras referências bibliográficas. O principal problema é que ele não cumpre o que promete. O objetivo de trazer um assunto tão complexo aos leitores leigos é alcançado em apenas alguns capítulos do livro (capítulos 1, 2 e 10), sendo que nos outros o autor presume (talvez não intencionalmente) que o leitor tenha alguns conhecimentos matemáticos médios para conseguir entender a mensagem que tenta passar. Mesmos nos capítulos escritos em linguajar mais acessível alguns exemplos e assuntos se repetem, tornando a leitura meio maçante.

De qualquer forma, é louvável que autores escrevam sobre assuntos ditos "acadêmicos" visando o público em geral. Isso contribui para a melhoria do nível cultural geral. O fato de "O Andar do Bêbado" estar há muito tempo entre os mais vendidos também mostra um amadurecimento no público leitor brasileiro, o que é uma excelente notícia.

quarta-feira, dezembro 30, 2009

Ano novo, a mesma vida


Nesta época do ano a maioria das pessoas dá uma paradinha para repensar a vida, seus objetivos e anseios, o realizado e o a realizar. Eu, particularmente, nunca gostei muito de dar um significado tão importante à virada do ano. Para mim, o dia primeiro de janeiro é apenas um dia após o dia trinta e um de dezembro. Mas respeito aqueles que usam dessa data bastante simbólica para buscar algum tipo de mudança benéfica para suas vidas. Admiro muito um pensamento do poeta Carlos Drummond de Andrade:

"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustăo. Doze meses dăo para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovaçăo e tudo começa outra vez,com outro número e outra vontade de acreditar, que daqui para diante vai ser diferente."

É necessário, entretanto, que busquemos certa objetividade em nossas carreiras, em detrimento da ideia de que basta pensar positivo para as coisas acontecem. Fazer pedidos de sucesso para 2010 é louvável e não custa nada, mas não é o suficiente. Se você está feliz no seu trabalho, ótimo, parabéns, sorte a sua. Peça para que continue assim no próximo ano, no outro e no outro. Mas se você está infeliz, desanimado e desmotivado, comece a se mexer.

Aquele colega de trabalho chato e ignorante, que te encheu o saco o ano inteiro te mandou belas mensagens de Natal e Ano Novo ? A hipocrisia rola solta nesta época. É natural que o ambiente de trabalho melhore um pouco, todo mundo trabalhando mais relaxado, pensando no peru do Natal e na champagne do Reveillon. O que não podemos nos esquecer é que em poucos dias tudo vai voltar ao normal. Assim, se você não está feliz, com certeza assim continuará até que você arrume outro lugar mais interessante para trabalhar ou então que a empresa encontre alguém mais interessante que você para o seu lugar (provavelmente ganhando menos). Seu chefe continuará lhe pedindo coisas inúteis e chatas, seus subordinados continuarão não rendendo o que você gostaria que rendessem e seus pedidos de aumento continuarão sendo negados.

Por estes e outros motivos, não comece o novo ano achando que as coisas vão se ajeitar, que de uma hora para a outra sua empresa vai mudar o jeito de pensar, que finalmente reconhecerão e darão o devido valor ao seu talento. Se você não fizer alguma coisa, desculpe a sinceridade: aposto minhas lentilhas que vai ficar é muito pior.

terça-feira, novembro 10, 2009

[Livro] O Líder Criador de Líderes


Já li outras obras de Ram Charan, por este motivo tinha a convicção de que seu foco é sempre em empresas de grande porte. Mas, pelo título do livro O Líder Criador de Líderes (Ram Charan, Campus; 272 páginas; R$ 52,00), minha ideia inicial é que seu conteúdo poderia me agregar muito como gerente de um departamento de uma empresa de médio porte.

Eu estava certo e errado ao mesmo tempo. Se por um lado não há como não absorver belos ensinamentos de um livro como esse, por outro a realidade descrita e desenvolvida ao longo do texto mostram-se quase sempre distante e irreal. Os exemplos, situações, dicas e ensinamentos são excessivamente relacionados com megaempresas, principalmente aquelas que possuem Conselho de Administração. Pode soar como pensamento pequeno, mas pouquíssimas pessoas trabalham em empresas assim, ainda mais no Brasil.

Isso sem dúvida diminui muito o público alvo do livro, infelizmente. Nada contra essa forma de abordagem, mas se o autor conseguisse trazer os mesmos ensinamentos a uma realidade de menor gigantismo o aproveitamento seria maior.

quarta-feira, outubro 28, 2009

[Livro] A Sombra Que Me Seguia


Conheci este livro através de um email que recebi da agente da autora Adriane Salomão. Nele, era explicado que Adriane havia lançado sua primeiro obra literária, de contos, fazia uma breve sinopse e indicava alguns links para o blog da autora e também para o site da editora (Editora 7 Letras).

Achei a mensagem bastante simpática e como gosto muito de contos resolvi adquirir o livro através do próprio site da editora. Por tratar-se de uma editora relativamente desconhecida e de ser a primeira obra da autora imagino que não seja fácil encontra-la em livrarias mais tradicionais (espero estar enganado).

São 47 contos distribuídos em 142 páginas. A grande parte deles não passa de duas páginas: são contos curtos, diretos, rápidos. A temática é bastante abrangente, tratando principalmente do cotidiano de pessoas normais. Agradou-me muito o estilo de Adriane Salomão, os contos são fáceis de serem lidos e absorvidos, sem exageros de vocabulário, como é até comum nesse tipo de literatura. A leitura é agradabilíssima, muito leve, gostosa e prazerosa. É um excelente livro de cabeceira, para ser "degustado" aos poucos, dia após dia, antes de uma boa noite de sono.

segunda-feira, outubro 26, 2009

Uma imagem vale mais do que mil ... vidas

Há alguns dias mais uma onda de violência assolou o Rio de Janeiro. Morreram bandidos, policiais e inocentes. Cenas de barbárie, cujo ápice foi representado pela derrubada de um helicóptero da PM, atingido por munição de grosso calibre em poder dos criminosos. Essas notícias correram o mundo. Muitos começaram a questionar a capacidade do Brasil e, em especial, do Rio de Janeiro de garantir a segurança de atletas e turistas durante as Olimpíadas de 2016. Isso sem nos esquecer que alguns dos principais jogos e a final da Copa do Mundo de Futebol de 2014 também serão na Cidade Maravilhosa.

Até aí nenhuma novidade: uma cidade violenta, criminosos vencendo a guerra com a polícia e o Brasil não sendo levado à sério no exterior. Em meio à tudo isso me chamou a atenção uma declaração do nosso presidente Lula, no alto do seu Olimpo, para não fugir muito do tema. Ele, no uso de sua nobélica sabedoria disse que os criminosos não sabem o mal que fazem à imagem do Brasil. É isso aí: policiais mortos, inocentes mortos, parte da cidade quase em estado de sítio e nosso querido presidente preocupado com a imagem do Brasil no exterior. Finalmente o PT descobriu algo que dá mais "Ibope" que o Bolsa Família

terça-feira, setembro 29, 2009

[Conto] O profissional, o marido, o pai

Roberto era um homem de sucesso. Inteligente, criativo, dedicado, daqueles que literalmente vestia a camisa da empresa. Foi admitido em um programa de trainees, há 8 anos. Desde então vinha se destacando de forma diferenciada, alcançando o cargo de diretor de marketing em pouquíssimo tempo. Boa praça, de estilo pujante e hiperativo, dava-se bem com todos na empresa. Era querido pelos diretores e idolatrado pelos subalternos. Totalmente sociável, falava muito bem em público, o que lhe garantia visibilidade e prestígio por onde quer que passasse, desde o balcão do cafezinho até importantes apresentações para mais de 300 pessoas. Não havia dúvidas de que estava sendo preparado para ser o novo presidente. Casado há 5 anos e pai de um lindo menino de 3, Roberto não conseguia repetir em casa o sucesso obtido na empresa.

Logo que se casaram as reclamações tiveram início. "Você mal fica em casa, todo dia chega tarde e sai cedo!", "Não me dá atenção, só pensa na empresa!", "Acha seus clientes mais importantes do que eu!". Roberto sempre achou que ela estava errada, afinal de contas oferecia conforto, luxo, tudo o que uma mulher poderia querer e imaginar. Moravam em uma casa fantástica, dirigiam carros de luxos, viajavam sempre. O que mais uma mulher poderia querer de um marido? Ele precisava se dedicar à empresa, ao trabalho, pois era tudo isso que lhes proporcionavam essa vida. Se não se dedicasse, nada daquilo seria possível. Além disso, quando se conheceram, sua vida já tinha esse ritmo, ela já sabia que seria assim. Após a chegada do bebê a situação ficou ainda pior. Mesmo com o batalhão de enfermeiras e babás contratadas, ela sentia cada vez mais a falta de um apoio emocional, de ter com quem conversar. Roberto praticamente só via o seu filho aos finais de semana. Chegava quando ele já estava dormindo, saía antes de ter acordado. Na sua cabeça estava apenas trabalhando para garantir o melhor futuro para sua família. Começaram a discutir com mais frequência, ela dizendo que não aguentava mais aquela sensação de abandono. Ele retrucava que ela era mimada e que tinha de agradecer à Deus por ter um marido trabalhador e que não deixava faltar nada em casa. No dia em que foi promovido, comemorou com os colegas até tarde. No dia da apresentação do teatrinho do seu filho na escola, ele estava há quilômetros de distância.

Os negócios começaram a piorar. A recente crise econômica estava afetando de forma grave o mercado em que a empresa atuava. O alto endividamento, fruto da política agressiva de aquisição de concorrentes, deixara a situação incontornável. Reuniões eram seguidas de outras reuniões, cada vez mais longas, mais tensas. Buscavam uma solução que não existia. Roberto cada vez mais ausente de casa. Em poucos meses surgiu uma proposta de compra de uma multinacional chinesa. Não havia outra saída. Proposta aceita, tentaram tranquilizar a todos de não haveria muitas mudanças nos cargos do alto escalão. Roberto, confiante como sempre, tinha certeza que poderia contribuir para essa nova fase da empresa. Sua competência era reconhecida por todos. Toda aquela situação dramática não estava nem um pouco relacionada com sua atuação direta, que como sempre, havia sido impecável. Os chineses assumiram. Tinham uma política agressiva de imposição de sua cultura empresarial. A tensão e a pressão nunca tinham atingido aquele nível. Roberto, mesmo sob protesto de sua mulher, aceitou uma transferência para outro estado. Preferiu passar os primeiros meses morando sozinho, assim teria mais tempo para se dedicar e se adaptar à nova situação. Visitava sua casa apenas nos finais de semana. Viajou à Pequim várias vezes, ficando até 15, 20 dias no exterior. Seu setor foi desmembrado, perdeu poder. Propuseram-lhe uma redução do bônus. Foi obrigado a aceitar. Mais alguns meses e Roberto foi demitido. Aquela decisão foi um choque brutal em sua vida. Nunca havia experimentado aquela sensação de abandono, de fracasso, de falta de importância. Sentiu-se totalmente desamparado. Na negociação de seu desligamento, recebeu um bom dinheiro e exigiram que ele se mantivesse fora do mercado por seis meses. Só conhecia ver uma coisa boa naquilo tudo: poderia finalmente passar mais tempo em casa, conversar com sua mulher, brincar com seu filho. Eles, com certeza, iriam ficar felizes.

Preferiu não ligar para casa contando a novidade. Queria ganhar tempo, tentar não passar à sua mulher aquela sensação de fragilidade que estava sentindo. Fez os acertos necessários com a empresa, pegou o voo e retornou para casa. Já no aeroporto sentia-se melhor, de certa forma havia tirado um peso das costas. Sua mulher não iria reclamar mais, seu filho finalmente teria um pai. Chegando em casa, ávido por abraçá-los, encontrou apenas um bilhete em cima da mesa:

"Aguardei vários dias por uma ligação sua. Tentei entrar em contato, mas sempre caía em sua caixa postal. Você não retornou, deveria estar muito ocupado. Conversei muito com meus pais ultimamente e resolveram me apoiar em uma decisão muito difícil, mas necessária. Concluí que nossa história e nosso amor chegaram ao fim. Não lhe culpo por tudo, mas me sentia infeliz e carente há muito tempo. Quando chegar me ligue para que possamos dar início às formalidades."

Ele nunca havia se sentido tão abandonado, fracassado e desamparado.

segunda-feira, setembro 28, 2009

Rodolfo será demitido?

Recebi um comentário bem interessante sobre o conto A empresa onde ninguém tirava férias. A leitora Fernanda Dearo escreveu o seguinte:

(...) o conto do Rodolfo é muito bom! MAS fico pensando... Nesse tipo de empresa, se o chefe perceber que ele ensinou tudo e tudo funciona sem ele, quando voltar de férias, tá na rua! (...)

A questão levantada é totalmente pertinente. Realmente, dependendo do estilo e da cultura da empresa, Rodolfo corre riscos de ser demitido quando retornar das férias. Mas eu espero estar certo quando penso que empresas desse tipo são exceções. A situação descrita no conto tenta mostrar que ninguém era contra tirar férias. O que estava acontecendo é que a diretoria tinha receio de que a liberação de algum funcionário importante fosse muito danosa para a continuidade das operações.

O fato de um funcionário poder passar dias fora da empresa sem medo de que as coisas parem de funcionar não significa, de forma alguma, que ele seja dispensável. O trabalho de organização e delegação de tarefas com certeza não foram as únicas melhorias que ele deve ter trazido ao departamento e à empresa. Essa forma dele atuar é apenas um indício de profissional competente e organizado. A empresa até poderia seguir sem ele, mas estaria abrindo mão de vários outros benefícios e melhorias que seriam obtidos no futuro. Por esse motivo, creio que nenhuma empresa séria vá desligar um funcionário como Rodolfo apenas porque o departamento ficou bem alguns dias sem ele. Por fim, tenho certeza que Rodolfo já ganhou a confiança total de sua equipe. Se for demitido, haverá um clima de insatisfação geral, o que fatalmente acarretará em perda de mais funcionários e queda de produtividade, jogando na lata de lixo tudo de bom que foi feito.

Não subestime o poder das emoções


Trecho retirado da coluna "Agenda do Líder", de Jack e Suzy Welch, publicada na revista Exame, da Editora Abril:

"(...) Desde que começamos a viajar o mundo, em 2002, sempre pedimos às pessoas que respondam, erguendo a mão, à seguinte pergunta: "No ano passado, quantos de vocês foram avaliados de verdade, isto é, quantos aqui ficaram sabendo qual era, de fato, sua situação na empresa?" Geralmente, mesmo nos auditórios mais participativos, o percentual de gente que levanta a mão confirmando a avaliação não passa de 10%. Isso é inaceitável, é revoltante. De repente, você está no comando de um negócio de 1 bilhão de dólares, trabalha com recursos em diferentes lugares do mundo, suas exposições perante a alta administração são feitas em slides sofisticados de PowerPoint. Mas, se você não diz às pessoas onde elas estão acertando e onde estão errando, não pode de maneira alguma acreditar que está no comando do negócio. Na verdade, suas avaliações devem ser tão claras que, se você tiver que dispensar um funcionário, ele nem precisará perguntar por quê. A pessoa vai querer saber apenas quais serão as condições do "acordo" e a logística para uma transição suave. (...)"

 
Eu, como gestor de pessoas, aprendi essa lição há pouco tempo. Demitir uma pessoa é uma das tarefas mais difíceis para mim. Dar um feedback negativo e sincero também nunca foi fácil. Tenho a tendência a evitar conflitos ao máximo. Encarar um subordinado, muitas vezes ele sendo uma pessoa fantástica, e dizer que não está gostando do seu trabalho não é agradável. Mas é extremamente necessário que isso seja feito. Primeiro porque você mostra que não está desistindo dele. Além disso, mostra quais são as deficiências, sugere soluções, oferece ajuda, o que são atitudes muito louváveis. O interesse em que esse funcionário "funcione" também é do gestor, da empresa. E, por último, se após vários feedbacks negativos e sinceros a pessoa não conseguir melhorar, o gestor não sentirá nenhuma amargura ou peso na consciência em desligá-lo. E nem ele poderá reclamar que não foi avisado.

segunda-feira, setembro 21, 2009

Administrar a carestia

Alguns gestores reclamam que lhes falta tudo: pessoal, máquinas, equipamentos, treinamento, software etc. Na verdade, muitas destas queixas são feitas para esconder os verdadeiros motivos que os levam a não bater metas. Tentam ocultar determinadas incompetências pessoais e de suas equipes alegando que não possuem recursos. Esquecem de que foram justamente contratados para administrar com pouco. Se existissem recursos em abundância, qualquer um faria!

Sei que muitas vezes os recursos são pobres. Mas também sei que se queixar apenas é uma atitude amadora e indigna de um profissional. Tudo o que acontece dentro da área de um gestor É PROBLEMA DELE! Ele deve mover céus e terras para resolver os problemas. Obviamente, muitas questões não dependerão dele apenas, mas é justamente nestas situações que se espera a atitude maiúscula de um gestor. Apenas reclamar dos fornecedores, do Banco Central, da ANVISA, do concorrente ou da sua própria equipe é conversa fiada. O gestor foi contratado para gerenciar processos e obter resultados excepcionais com poucos recursos. Repito: se houvesse recursos em abundância à disposição, bastaria um Zé qualquer para ser o gerente. O gestor não foi contratado para voar em “céu de brigadeiro”, ele foi contratado para gerenciar em céus turbulentos e tempestuosos.

Já conversei com muitos executivos que reclamaram: “Mubarack, você pega muito pesado”. Absoluto engano. Quem pega pesado é a vida, a concorrência, o caos que caracteriza o mundo empresarial. Entender que o trabalho de gerenciamento é muito duro e que exige muito sacrifício é básico para o sucesso.

Existe um problema crônico em relação a muitos gestores; não estudam, leem muito pouco e não utilizam ferramentas para resolver problemas. Análise de Pareto, Diagrama de Causa x Efeito, Estratificação de Dados, FMEA etc. passam longe dos hábitos diários desta gente. Com toda esta fragilidade intelectual, realmente fica muito difícil gerenciar sem amplos recursos à disposição.

Na maior parte dos casos, as diretorias, os acionistas e os proprietários são os principais responsáveis por esta lamentável situação. Eles deveriam desenvolver seus gestores nestes métodos e cobrar obstinadamente o seu uso, rejeitando qualquer análise que não seja feita com ferramentas, com dados e com o uso do método científico. Existem muitos gestores que já fizeram três MBAs e são completamente incapazes de fazer uma análise de Pareto ou construir um cronograma. Treinar com pertinácia os gestores, retreinar, fazer provas duras no final de cada curso, quem faz isto? A solução é simples, mas é preciso atitude por parte das direções.

Autor: Paulo Ricardo Mubarack

Enviado pelo amigo Marcelo "Jales", obrigado !

sexta-feira, setembro 18, 2009

[Conto] Entre jacarés e lagartixas

Aquela era mais uma empresa com traços inequívocos de administração familiar. Os donos haviam criado tudo há mais de 50 anos, partindo do zero, apenas com algumas economias conseguidas ao custo de muito suor. Mas tudo havia valido a pena, era uma empresa respeitada pelo mercado e até pelos concorrentes. Prezava a ética e a valorização dos funcionários. Depois da inauguração do prédio novo, há 3 anos, a satisfação de todos aumentou ainda mais. A grande maioria dos funcionários tinha no mínimo 5 anos de casa. Vários deles mais de 10, 15, 20 anos ... Essa experiência e lealdade eram, segundo os três irmãos que formavam o triunvirato administrativo, o segredo do sucesso. Mas os tempos eram outros, o mercado estava mudando. Clientes antigos passaram a comprar nos concorrentes em busca de alguns reais de desconto. A concorrência estava avançando. Multinacionais, de olho no crescente mercado brasileiro, surgiam como novos entrantes. O faturamento começou a cair e a luz amarela foi acesa.

Tinha chegado a hora de tomar decisões há anos adiadas. Os donos da empresa já mostravam claros sinais de cansaço, apesar de apresentarem ainda uma vitalidade espantosa. Não tinham tido instrução formal, mas de bobos não tinham nada. Perceberam que eram necessárias mudanças estruturais. Não havia espaço para vaidades. Entregaram a direção da empresa a um profissional altamente gabaritado, recrutado em uma das maiores e mais modernas empresas da região. Levaram-no a preço de ouro, foram convencidos de que não iriam se arrepender. Apesar da visível mostra de profissionalismo, esse desprendimento obviamente tinha limites. Deram liberdade ao novo presidente, mas o monitoravam de perto, participando de várias decisões. Isso ficou claro em um dos pedidos feitos ao novo gestor:

"Gostaríamos de manter os funcionários antigos. Confiamos muito neles e não temos motivos para demiti-los. Se achar necessário, estamos dispostos a gastar muito dinheiro com treinamentos, cursos de graduação e pós-graduação, MBAs, cursos técnicos ... Queremos fazer a empresa voltar a crescer, mas sempre junto com nossa equipe."

Aquele pedido não tinha nada de esdrúxulo ou sem sentido. O novo presidente concordou, tinha a certeza que, com a disponibilidade de grandes recursos, à médio prazo conseguiria profissionalizar as pessoas que ocupavam cargos de gerência e coordenação. Iniciou-se um processo constante de cursos in company. Palestrantes e professores das mais renomadas instituições de ensino e escola de negócios foram contratados. O clima interno nunca havia sido tão bom, os funcionários sentiam-se cada mais valorizados. Paralelamente a isso, o presidente deixou claro que era também necessária a injeção de DNA novo na empresa. A média de idade, apesar de não ser vista como empecilho, era alta. Precisavam mesclar profissionais jovens, altamente capacitados, de forma a criar uma sinergia positiva entre a experiência e a juventude. Novas ideias, gente motivada e disposta a mostrar serviço. Jovens altamente promissores, recrutados nas melhores universidades, foram contratados e alocados em todas as áreas da empresa. Para cada um deles foram designados mentores, selecionados entre aqueles que mais conheciam o negócio da empresa. Tudo estava indo conforme o planejado e conforme o combinado.

Meses se passaram. "Calma, ainda é cedo ...". "Precisamos dar tempo ao tempo ...". A verdade é que a empresa continuava perdendo espaço no mercado, os concorrentes avançando, as vendas caindo. "O que fizemos de errado? Gastamos uma fortuna com treinamentos, contratamos os melhores profissionais recém-formados, temos uma equipe comprometida e conhecedora de todas as suas tarefas. Tem que haver uma explicação!". Diante dos 3 donos, atrás daquela mesa imponente de madeira de lei, sentado naquela moderníssima cadeira importada, o presidente não tinha a explicação. Foi demitido. A situação era crítica, a desmotivação era geral. Os antigos funcionários tinham dado o melhor de si, os jovens promissores tinham seguido à risca os ensinamentos aprendidos nas seções de mentoring, tinham tentado colocar todo o seu aprendizado acadêmico à serviço da empresa. Mas não havia funcionado. Tinha que haver uma explicação. Um dos donos resolveu voltar à presidência, era necessário apagar o incêndio. Por indicação de um amigo, contratou uma consultoria renomadíssima, especializada em situações como aquela. Passaram-se semanas analisando tudo e a todos. Até que veio o veredito, proferido em tom imponente por aquele consultor, do alto de seus um metro e noventa de altura: "Quem nasceu para lagartixa nunca vai chegar a jacaré. Não há nada de errado com as lagartixas, mas se forem colocadas para nadar no fundo do rio, não conseguirão. Elas têm suas qualidades, não adianta pedir para um jacaré subir na parede, ele não conseguirá. A lagartixa consegue. Precisamos colocar as pessoas certas nos lugares certos".

Seguiram-se intermináveis segundos de silêncio total. "Como assim?", pensavam alguns, reticentes em serem os primeiros a demonstar que não tinham entendido nada. Mas a elucidação daquela metáfora veio em seguida: "Os funcionários antigos são excelentes, não há nada de errado com eles. Mas são lagartixas. Têm limitações, são importantes mas não serão eles que comandarão a empresa. Não são predadores. Temos jovens excepcionais, acima da média. Eles sim são os jacarés, mas estão frustrados, não lhe foram dada a chance de nadar, ficaram subordinados às lagartixas e se continuarem assim vão acabar definhando e se tornando uma delas. Precisamos fazer uma reformulação geral nas posições chave da empresa, e urgente".

O desafio que se seguiu foi fazer toda essa reestruturação sem melindres. Tanto a consultoria quanto os donos da empresa usaram de todo tipo de política disponível, conversas à dois, explicações, abriram o jogo totalmente, detalhando a situação da empresa, as medidas necessárias, envolveram a todos. Foi criado um plano de demissão voluntária. Ofereceram condições altamente atrativas para a aposentadoria daqueles que já estavam em condições para isso. Novas contratações foram necessárias. Muitos dos antigos funcionários voltaram para as tarefas em que eram bons, em que eram os melhores. Alguns jovens promissores assumiram posições de liderança. Os donos ainda mantiveram-se no comando durante alguns anos, até que um processo de sucessão fosse implementado e começasse a dar frutos. A empresa, repleta de jacarés e lagartixas, recuperou mercado, voltou a dar lucro.

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