quarta-feira, abril 22, 2009

Duvidar é preciso

Primeira semana de trabalho na empresa e recebi uma tarefa do meu superior: verificar quais departamentos ainda usavam um sistema muito antigo pois a ideia era desativá-lo. Eu, cheio de vontade de mostrar serviço, saí perguntando um a um se usavam o tal sistema. Muitos me disseram não, outros disseram sim. Coloquei tudo em um relatório todo formatado, colunas, cores, subtotais. Apresentei ao meu superior, que disse: "Eu te pedi esta informação mas já sei a resposta. Ninguém mais usa o sistema antigo. Muitos dizem usar, apenas para que não o desativemos. Eu lhe pedi para investigar quem usava e não para perguntar aos outros se usavam ou não. Aprenda uma coisa: não confie em tudo o que as pessoas lhe falam."

Fiquei um pouco assustado pois eu estava em uma empresa onde eu não poderia acreditar no que as pessoas falavam. Hoje em dia eu entendo o que ele quis me dizer. Por mais que perguntas e conversas sejam importantes, é muito prudente que nós mesmos tenhamos, por vários meios, a certeza e o convencimento de que aquela afirmação é realmente verdadeira. Uma boa dose de ceticismo não faz mal a ninguém.

Segundo uma das várias definições, CETICISMO é a doutrina que afirma que não se pode obter nenhuma certeza a respeito da verdade, o que implica numa condição intelectual de dúvida permanente e na admissão da incapacidade de compreensão de fenômenos metafísicos, religiosos ou mesmo da realidade. O filósofo Sócrates afirmava que "não podemos aceitar um fato, ideia ou crença (somente) por ter vindo de uma "autoridade" superior". Em outras palavras, por mais confiável que alguma pessoa ou alguma afirmação pareça ser, devemos usar métodos para que possamos confirmar aquilo que está sendo dito.

No livro Think ! Por que não tomar decisões num piscar de olhos, Michael Legault nos informa, com propriedade: "Uma forma de compreender por que o ceticismo é importante para a verdade e o conhecimento é familiarizar-se mais com o método científico. (...) O primeiro passo para o método científico é a observação - e não pode ser qualquer tipo de observação, deve ser uma observação sem preconceito. (...) O passo seguinte implica fazer uma pergunta. (...) O terceiro passo é formular uma hipótese, ou uma conjectura que responderá à pergunta. (...) O quarto passo é fazer previsões para testar a hipótese. (...) O quinto e último é realizar experimentos afim de confirmar ou refutar a previsão."

No situação pela qual passei, citada anteriormente, se eu tivesse seguido o método científico, dificilmente teria dado a informação errada ao meu chefe. Eu poderia ter observado as pessoas que disseram usar o sistema e poderia ter percebido que não usavam. Poderia ter perguntado: por que não usam e falam que usam ? Tentando obter a resposta me depararia com ideias que me levariam à resposta correta: os usuários têm medo de "perder" o sistema antigo. Por fim, poderia ter feito um experimento, desativando o sistema durante alguns dias. Se ninguém reclamasse é porque realmente não usavam.

Talvez os maiores motivos para que não sejamos céticos o suficiente são o comodismo e o estresse. Comodismo porque é muito mais fácil e menos desgastante acreditar em algo de forma passiva ao invés de analisarmos a veracidade pessoalmente. Já o estresse explicaria a eterna desculpa de falta de tempo para que possamos exercitar o método científico.

Não é só na vida profissional que o ceticismo poderia nos fazer pessoas melhores. Na vida pessoal, somos bombardeados pela mídia e por opiniões de analistas e consultores. É importante que não tomemos nada como verdade absoluta, que tenhamos perguntas e questionamentos sobre os assuntos que nos são colocados. Não podemos aceitar nada com obviedade. Quem nunca recebeu um e-mail em tom alarmante dizendo que foi descoberto que a Coca-Cola causa câncer. Muitos ficam estupefatos com a informação, já a tomam como verdade e em segundos disseminam mais uma besteira para todos os amigos (ou inimigos) da sua lista de endereços.

Por outro lado, é importante também não pendermos ao ceticismo extremo. Como diz Legault em seu livro, "ceticismo ao extremo poderia levar a um tipo de pane emocional e intelectual, em que a pessoa chega a duvidar que duvida". Com o tempo e a experiência que adquirimos é possível distinguir pessoas que são confiáveis daquelas que não são. Devemos também analisar a criticidade do assunto e as consequências que uma possível informação inadequada podem causar. De qualquer forma fica a todos nós um aviso: duvidar é preciso.

Um comentário:

shi disse...

adorei...vou levar comigo...kkk

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